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2º caso - MTE flagra trabalho de crianças em propriedade rural

publicado: 10/10/2016 às 02h55 | modificado: 10/10/2016 às 05h55
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No recurso apreciado pela Turma Recursal de Juiz de Fora, um proprietário rural pretendia a anulação de três autos de infração lavrados pelo Ministério do Trabalho em 30/07/2007. NJ Especial - Infância roubada: a triste realidade e os efeitos nefastos do trabalho infantil (imagem 18) O primeiro, ao fundamento de que o proprietário mantinha em sua fazenda trabalhadores menores de 16 anos em serviços diversos. O segundo, por falta de fornecimento e fiscalização do uso dos equipamentos necessários à proteção e segurança dos trabalhadores. Por fim, o último, por ter o fazendeiro deixado de fornecer os documentos solicitados pela fiscalização. E, por maioria de votos, adotando o entendimento do relator, desembargador Marcelo Lamego Pertence, a Turma julgou desfavoravelmente o recurso, ao constatar que o proprietário rural praticou, de fato, as infrações descritas nos autos, inclusive quanto ao uso de mão de obra infantil. Assim, manteve a sentença que já havia declarado a validade dos autos de infração.

Em seu exame, o relator achou correto o procedimento do fiscal do trabalho, que desconsiderou a condição de parceiros agrícolas dos trabalhadores identificados na ação fiscal, reputando-os como meros empregados do fazendeiro. Isto porque, no contrato de parceria rural, o proprietário cede ao trabalhador o imóvel rural, ou parte dele, para que ali exerça atividade (agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal, mista, cria de animais, etc), cujos frutos, produtos ou lucros são partilhados, assim como os riscos do empreendimento (Lei 4.504/64 - Estatuto da Terra, artigo 96). Mas, no caso, o relato das testemunhas e do fiscal do trabalhado revelaram que os trabalhadores encontrados na propriedade rural não possuíam estrutura financeira para suportar os ônus desse tipo de contrato. "A prova dos autos evidencia, especialmente a testemunhal, que os supostos parceiros eram pessoas simples, que auferiam baixa remuneração pelos serviços que prestavam, juntamente com suas famílias, inclusive, necessitavam de empregar até mesmo a mão de obra de seus filhos menores para garantirem o mínimo se subsistência", frisou o desembargador.

As declarações de um trabalhador da fazenda, ouvido como testemunha, retratam bem as condições miseráveis das famílias que sujeitam seus filhos ao trabalho infantil. NJ Especial - Infância roubada: a triste realidade e os efeitos nefastos do trabalho infantil (imagem 19) Ele disse que recebia cerca de R$350,00 mensais pela sua parte na meação do leite, necessitando contar com a ajuda de seus cinco filhos para o ajudarem nos serviços, a quem ele próprio remunerava. Além disso, o julgador constatou que os trabalhadores recebiam a parte que lhes cabia em espécie e estavam subordinados ao proprietário, de quem recebiam ordens sobre a execução dos serviços. Tais circunstâncias, segundo o relator, não se amoldam ao contrato de parceria agrícola, por contrariar a lei que rege o instituto. Ou seja, os "parceiros" do proprietário rural eram, na verdade, empregados, que prestavam serviços sem carteira assinada e sem receber os direitos trabalhistas que lhes eram devidos. Nesse quadro, foi reconhecida a nulidade dos contratos de parceria firmados com os trabalhadores, com base no artigo 9º da CLT e no Princípio da Primazia da Realidade.

Quanto à consistência do auto de infração pela constatação de trabalho infantil, não teve dúvidas o relator. Nas palavras dele: "Ficou evidente a existência de crianças trabalhando na propriedade do réu, o que não foi desmentido nem mesmo por suas testemunhas. Dentre as várias crianças encontradas trabalhando, todas tinham função definida, algumas na colheita de café, outras no corte da cana, sendo importante ressaltar que uma das crianças tinha apenas 08 (oito) anos de idade, o que, a meu ver, é inaceitável e lamentável".

Vale registrar aqui trechos da decisão, nos quais o desembargador expõe suas impressões sobre o tema do trabalho infantil:

"O trabalho infantil é prática odiosa que vem sendo combatida com esmero por toda a sociedade. Trata-se de um antigo problema de origem cultural e social arraigado há séculos no país. Porém, a partir de 1980, ao surgir um movimento social em favor dos direitos das crianças e dos adolescentes, esse quadro começou a mudar.

Vários foram os mecanismos criados para a solução do problema, como a promulgação da Constituição da República de 1988; a adoção, em 1989, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança; a aprovação, em 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); os suportes técnico e financeiro do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), somados aos programas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) a partir de 1992, acabaram por incluir definitivamente o tema do combate ao trabalho infantil na agenda nacional de políticas sociais e econômicas do país e do mundo.

A partir daí o trabalho infantil tornou-se uma questão de garantia e defesa de direitos e passou a ser responsabilidade de toda a sociedade, nos termos do art. 227 da CR/88. NJ Especial - Infância roubada: a triste realidade e os efeitos nefastos do trabalho infantil (imagem 20) "Assim, a adoção de leis e a atuação da fiscalização são necessários, mas insuficientes para um permanente e eficaz combate a esta nefasta prática. É imprescindível garantir a participação efetiva e integrada de todos os segmentos sociais. ".

Citando as Convenções da OIT 138 (sobre a idade mínima para admissão ao emprego) e 182 (sobre as piores formas de trabalho infantil), o relator pontua: "A ratificação dessas Convenções representa a consolidação de um comprometimento nacional com a efetiva erradicação do trabalho infantil".

Voltando ao caso julgado, ele conclui que: "pouco interessa seja a situação decorrente de parceria agrícola ou de trabalho com vínculo de emprego, o trabalho infantil nos moldes verificados é intolerável e deve ser combatido com rigor, pois atenta contra toda a sociedade, já que os prejuízos futuros serão experimentados por toda a coletividade". E lembra que a agropecuária, especialmente o corte da cana-de-açúcar, é considerada uma atividade perigosa por excelência, por expor os trabalhadores a ferramentas e máquinas que lhes trazem risco, como serras, motores, tratores e facões, além da exposição a produtos químicos, como agrotóxicos e herbicidas. NJ Especial - Infância roubada: a triste realidade e os efeitos nefastos do trabalho infantil (imagem 21) Além disso, a preparação do solo, plantio, colheita e trato dos animais são atividades que exigem grande esforço físico e exposição às intempéries climáticas. "Imaginar uma criança de apenas 08 (oito) anos de idade exposta a tal situação é cruel", arremata.

Por fim, o desembargador reconheceu a validade dos autos de infração remanescentes, um por ausência de apresentação da documentação exigida pela ação fiscal e o outro pelo não fornecimento aos trabalhadores dos necessários equipamentos de proteção individual, já que não foi produzida nenhuma prova capaz de contrariar as constatações que embasaram a autuação. Acompanhado o relator, a Turma, por maioria de votos, negou provimento ao recurso do proprietário rural.

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