Juiz extingue demanda fraudulenta para proteger interesses de trabalhador
A 30ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte recebeu a ação de um trabalhador que pleiteou a condenação de sua empregadora e da tomadora de serviços, esta de forma subsidiária, ao cumprimento de obrigações trabalhistas. O sócio da empresa prestadora de serviços não compareceu às audiências, atraindo a revelia. Até aí, são fatos corriqueiros que fazem parte da rotina da JT mineira. Mas, o que, em princípio, parecia ser uma reclamação trabalhista comum, logo foi identificada pelo juiz Rodrigo Cândido Rodrigues como uma demanda fraudulenta contra a empresa tomadora de serviços.
É que ficou demonstrado que os advogados do autor, que assinaram a petição inicial, são respectivamente esposa e cunhado do sócio/administrador da real empregadora do reclamante, estando mais que evidente o conflito de interesses. Em consequência, convencido de que o exercício do direito de ação estava contaminado pela fraude, o magistrado extinguiu o processo sem apreciar a questão central da demanda, com aplicação do art. 129 do CPC, até mesmo como forma de proteção do empregado, que poderia ser manipulado nessas circunstâncias.
Conforme salientou o julgador, a prova documental demonstrou que o sócio da prestadora de serviços, além de ser parente dos advogados que deram início à ação do reclamante, mora na mesma residência de outro sócio da empresa e tem poderes amplos e gerais para administrá-la, o que revela a relação de proximidade entre eles também. A prestadora de serviços encerrou suas atividades em 2011, após o rompimento do contrato com a tomadora. O magistrado apurou também que o fim pretendido com a ação seria a execução do crédito perante a tomadora de serviços, responsável subsidiária, após uma defesa inexistente por parte do real empregador.
A tomadora de serviços afirmou ter tomado conhecimento de que os sócios da empresa prestadora de serviços estariam agindo com má-fé, induzindo a propositura de ações por empregados que não trabalharam para as reclamadas, com o intuito de se recuperarem do prejuízo sofrido em função do rompimento do contrato, e se ausentando das audiências, com aplicação da revelia e pena de confissão, o que resulta na sua responsabilização subsidiária.
Ao examinar os documentos juntados ao processo, o magistrado destacou a certidão de casamento, que comprova que a advogada do reclamante é esposa de um dos administradores da empresa prestadora de serviços, o qual possui uma procuração que lhe confere amplos poderes para administrar e gerir negócios da empresa. De acordo com essa procuração, ele poderia comprar e vender mercadorias, representar a empresa onde for preciso, emitir e assinar documentos, assinar CTPS, admitir e dispensar empregados, assinar rescisão de contrato de trabalho, fazer acordo, movimentar e liquidar contas bancárias, constituir advogado, entre outros poderes.
Nos termos do art. 129 do CPC, "Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes" . O julgador entende que esse dispositivo legal é aplicável ao caso, pois a constatação de proximidade entre sócios da empresa e advogados do reclamante, somada à ausência de defesa da prestadora de serviços, gerou o convencimento de que as partes pretendiam obter finalidade ilícita com o processo, o que não pode prevalecer conforme art. 129 do CPC, prejudicando a análise de todo o mérito da causa. Na visão do magistrado, esse posicionamento protege os eventuais direitos do reclamante, possibilitando que ele reivindique o que entende que lhe é devido em outra ação, na qual terá o patrocínio de advogados que não têm outros interesses na demanda.
Toda essa situação gerou no magistrado um desconforto, diante da possibilidade de a Justiça do Trabalho estar sendo usada para impor prejuízos à empresa tomadora de serviços. "A esta altura, diante da gravidade destas ocorrências não pode este magistrado tomar conduta artificializada de ignorá-las e prosseguir no julgamento desta ação como se nada tivesse ocorrido. Por isso, é impossível adentrar o mérito da ação, que está envenenada desde o seu ajuizamento pelos advogados inicialmente constituídos pelo autor e que ainda atuam como procuradores deste. Enfim: não se ignora que há alguma possibilidade de o autor ser vítima em segundo grau das fraudes perpetradas por seus procuradores inicialmente constituídos, por simplesmente ter dado o azar de, coincidentemente, ter escolhido justamente a estes. Mas, neste caso, é contra estes então que deverá deduzir suas pretensões porque estes, pelos atos que se desfraldaram nesta ação, tornaram-se os responsáveis pelo convencimento deste magistrado de que essa ação é uma fraude, de maneira que este magistrado está extinguindo esta ação, utilizando, inclusive, o dispositivo do art. 129 do CPC por analogia - pois, embora não específico para este caso, é o mais próximo e adequado ao que aqui foi apurado" , concluiu o julgador.
Os advogados foram condenados a pagar multa por litigância de má-fé, no valor de 1% da ação, ou seja, R$500,00, a serem pagos por cada um à empresa tomadora de serviços. O reclamante recorreu, mas o TRT mineiro confirmou as condenações impostas em 1º grau.