2ª SDI decide não aplicar normas do novo CPC a processo que já estava em curso
Com a vigência do novo Código de Processo Civil, em 18/03/2016, é totalmente inaplicável o CPC de 1973? Na análise de um processo em que se discutiu a matéria, a desembargadora Maria Lúcia Cardoso de Magalhães respondeu a esse questionamento. Na 2ª Seção Especializada de Dissídios Individuais (2ª SDI), ela se deparou com um conflito temporal na aplicação das normas processuais, tendo que analisar questões sobre Direito Intertemporal, ou seja, sobre as normas que regulam a sucessão de leis processuais no tempo. Para a relatora, a resposta é não, porque o fato analisado no processo ocorreu ainda na vigência do CPC de 1973, ocasião em que o ex-empregado ajuizou uma ação rescisória em face da empresa. Com base nesse posicionamento, os julgadores admitiram a ação rescisória e, analisando a questão central, julgaram improcedente o pedido de cancelamento do acordo judicial homologado em ação trabalhista.
Admissibilidade - A Ação Rescisória foi proposta pelo ex-empregado em face de uma empresa de transportes e serviços, com base no artigo 485, inciso VIII, do antigo CPC, com o objetivo de desconstituir o acordo judicial homologado na ação trabalhista 0000968-89.2012.5.03.0102, que tramitou perante a 2ª Vara do Trabalho de João Monlevade. Para tanto, o ex-empregado argumentou que, juntamente com 50 outros colegas de trabalho, foi vítima de acordo fraudulento, arquitetado pela ré. Segundo o autor, a empresa teria determinado os termos da avença e contratado advogado, simulando lide trabalhista, com promessa de posterior recontratação do reclamante em outra empresa do mesmo grupo econômico. Mas o objetivo final era mesmo o de fraudar os seus direitos trabalhistas.
Conforme explicou a desembargadora, a partir do dia 18.03.2016, entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro o novo Código de Processo Civil, o qual excluiu das possibilidades para interposição da Ação Rescisória, o inciso VIII do artigo 485 do antigo CPC. Dentre as hipóteses para rescisão da sentença de mérito, agora regulada pela nova legislação, nos artigos 966 a 975, não existe mais a possibilidade de rescisão "quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença", hipótese na qual veio amparada a ação rescisória analisada pela julgadora.
Citando a legislação pertinente, a relatora explica que o novo CPC prevê expressamente no seu artigo 966, parágrafo 4º, que: "Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.".
Contudo, a desembargadora ressaltou que a ação rescisória em questão foi ajuizada e regularmente processada e instruída sob a regência da antiga legislação, ou seja, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973. Portanto, ainda em plena vigência do artigo 485, inciso VIII do mencionado CPC. Lembrou a magistrada que esse dispositivo legal foi interpretado pelo TST à luz da Súmula 259, cujo teor é o seguinte: "TERMO DE CONCILIAÇÃO. AÇÃO RESCISÓRIA - Só por ação rescisória é impugnável o termo de conciliação previsto no parágrafo único do art. 831 da CLT".
Conforme apontou a desembargadora, ocorreu um conflito temporal na aplicação das normas processuais, matéria esta agora disciplinada no artigo 14 do novo CPC, cujo conteúdo é o seguinte: "A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
A relatora acentuou que, na aplicação dessas normas, principalmente no período de transição, não pode o intérprete perder de vista que a regra fundamental inscrita no inciso XXXVI do artigo 5º da CF/88 é de que a lei deve sempre respeitar, além da coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Trazendo o preceito fundamental para o caso concreto, a desembargadora salientou que a nova legislação deve preservar o ato que foi praticado em estrita observância às normas legais então vigentes e que, por isso, gera direito processual adquirido à parte que o praticou. E esse preceito não foi esquecido pelo CPC atual. Ao contrário, está assegurado no artigo 14. Ademais, frisou a magistrada que o novo CPC assegura o processo como meio de pacificar conflitos de forma célere e efetiva, com respeito à segurança jurídica que deve reger a relação processual. "Portanto, a modificação das regras procedimentais embora imediatamente atinja os processos em curso, o que aqui não se nega, não pode, por outro lado, extinguir direitos que as partes adquiriram com a prática de atos plenamente válidos sob a égide da legislação revogada", ponderou.
Dessa forma, a desembargadora concluiu que a ação se apresenta como medida judicial possível juridicamente, principalmente quando considerado o disposto no artigo 831 da CLT, o qual dá ao termo de conciliação homologado judicialmente o status de decisão irrecorrível.
Acordo não desconstituído - O autor afirmou que a ré, com o objetivo de fraudar seus direitos trabalhistas, contratou advogado para propor a ação e em seguida nela celebrar acordo, conforme valores que a própria empresa estabeleceu. Disse que, apesar do recebimento do que foi ali ajustado, bem como dos valores constantes da rescisão contratual homologada pelo sindicato, se viu ludibriado porque não foi recontratado por outra empresa pertencente ao mesmo grupo econômico conforme prometido, além de ter dado quitação pelo extinto contrato do trabalho. Invocou, por isso, a simulação da lide e vício de seu consentimento para pleitear a rescisão da conciliação judicial. Em sua defesa, a ré sustentou a legitimidade do acordo homologado, firmado por vontade própria do autor. Alegou que tanto o ajuste como a rescisão foram lícitos, sendo que esta foi devidamente homologada pelo sindicato.
Conforme apontou a desembargadora, os depoimentos das testemunhas demonstraram que o empregado não foi coagido a firmar o acordo. Teve ciência prévia dos valores e com eles concordou. Existiram outros trabalhadores que não firmaram o acordo, como declarado pela testemunha do autor. Acrescentou a relatora que a mesma testemunha informou que o valor do acordo variava em função do tempo de serviço de cada empregado. Diante disso, ela concluiu que, na verdade, o ex-empregado se arrependeu do acordo porque se viu frustrado na expectativa de recontratação. "Aliás, na inicial o próprio reclamante menciona "ludibriado", situação bem distinta do vício de vontade que retira daquele que sofre coação à espontaneidade da manifestação por temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens, conforme previsão do artigo 151/CCB. Registro que não se pode rescindir uma decisão judicial, fundado no arrependimento de uma das partes que celebrou a transação", pontuou.
No que toca à discussão quanto ao advogado que patrocinou as causas, a desembargadora ressaltou que isso não leva o caso a desfecho diferente. Isto porque o trabalhador poderia constituir outro advogado e, até mesmo não aceitar o acordo. "Se o autor aceitou a indicação do patrono pela ré foi por vontade própria, comodidade ou inércia, e o fato isolado não se mostra suficiente para invalidar a transação", completou. Na avaliação da julgadora, a prova revelou que os acordos não foram em valores uniformes e que os direitos postulados na ação trabalhista - o autor era motorista carreteiro - demandariam ampla discussão no processo, com necessidade de produção de provas (horas extras, 13º salário, PLR, diárias de viagem, etc.).
Portanto, a conclusão da relatora foi no sentido de que, ausente qualquer coação, dolo, simulação, erro ou outro vício de vontade capaz de macular as transações realizadas, não há margem à desconstituição do acordo pretendida pelo reclamante, prevalecendo a vontade das partes livremente manifestada. Ao finalizar, a desembargadora citou precedentes da 2ª SDI no mesmo sentido, envolvendo a mesma ré e situações idênticas à do autor. A 2ª SDI acompanhou o entendimento.
- PJe: 0010178-14.2014.5.03.0000 (AR) — Acórdão em: 05/05/2016
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