Juíza decide que período de treinamento deve integrar contrato de emprego
Atuando na 5ª Vara do Trabalho de Uberlândia, no julgamento de uma ação civil pública, a juíza substituta Tânia Mara Guimarães Pena se deparou com dois tipos de irregularidades praticadas pela empresa reclamada. Ficou comprovado no processo que a empregadora efetuava descontos indevidos na folha de pagamento dos trabalhadores, chegando a comprometer o salário integral do mês. Além disso, a empresa se utilizava de mão de obra de trabalhadores de uma empresa de trabalho temporário, para a execução de tarefas essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial, e ainda se valia de "treinamentos" de forma indevida. Ou seja, no período anterior ao registro do contrato de emprego, o trabalhador permanecia em treinamento durante cerca de um mês, cumprindo jornada de seis horas, de segunda a sexta-feira, mas sem receber salário. Reprovando a conduta patronal, a magistrada considerou que esses procedimentos desrespeitaram direitos básicos do trabalhador.
O MPT apurou que a empresa efetuava descontos de maneira irregular no salário de seus empregados, resultando no comprometimento da remuneração mensal. Em sua sentença, a magistrada explicou que os descontos salariais somente serão permitidos em casos especiais, previstos em lei. Essas exceções estão descritas no artigo 462, da CLT: adiantamentos salariais, descontos autorizados por norma coletiva, descontos resultantes de lei, como, por exemplo, impostos de renda e vale-transporte, descontos relativos a dano causado pelo empregado, ocorrendo dolo ou culpa (no último caso, a possibilidade deve contar com ajuste prévio) e descontos relativos a bens ou serviços colocados à disposição do empregado pelo empregador ou por entidade a este vinculada, desde que contem com autorização prévia e por escrito do empregado. "As possibilidades de atenuação da regra da intangibilidade devem ser interpretadas com rigor e restritivamente, sob pena de as exceções se tornarem a regra" , alertou a julgadora. No caso, ela constatou que, com exceção do desconto de contribuição previdenciária, os demais descontos não são resultantes de lei ou acordo coletivo de trabalho. Por isso, a magistrada determinou que a empresa se abstenha de promover descontos nos salários dos seus empregados, exceto nas situações permitidas pela CLT, sob pena de multa de R$10.000,00 a cada constatação do descumprimento desta obrigação.
O MPT apurou ainda que a empresa mantinha 53 empregados sem os respectivos registros em livros ou fichas, também havendo 107 trabalhadores sem registro ou anotação na CTPS. A própria empresa admitiu que os trabalhadores em treinamento não recebem salários, porque não são considerados empregados. Entretanto, a juíza, que já analisou várias ações semelhantes, envolvendo a mesma empregadora, não concordou com esse posicionamento. Isso porque os operadores de call center que estavam em treinamento eram submetidos às mesmas condições de trabalho dos atendentes já contratados e ficavam à disposição da empresa. No entender da magistrada, trata-se de um típico contrato de experiência, com o intuito de avaliar a capacidade do trabalhador, e, nessa modalidade contratual, o empregado recebe salário normalmente. Um detalhe que merece destaque, segundo a julgadora, é o fato de que, no caso em questão, o treinamento ministrado pela reclamada revelou-se como verdadeiro processo de capacitação, um período de integração do novo empregado, e não mera seleção de candidatos, pois abrangia explicações sobre o produto e sobre o atendimento de clientes. Portanto, de acordo com o posicionamento da juíza, o período destinado à realização de treinamentos, que antecedeu a assinatura da CTPS, deve integrar o contrato de emprego.
Para a magistrada, as provas foram suficientes para confirmar que a empresa realmente mantém empregados trabalhando sem o competente registro, quando admite prestação de serviços por trabalhadores de empresa de trabalho temporário e também quando realiza treinamentos sem antes formalizar o contrato de trabalho. Em face disso, a juíza sentenciante determinou que a empresa se abstenha de admitir ou manter trabalhadores sem a formalização do contrato de emprego, sob as alegações de treinamento ou de trabalho temporário, sob pena de multa no valor de R$10.000,00 a cada constatação do descumprimento da obrigação e por trabalhador.