Montadora de automóveis deverá pagar adicional noturno pela prorrogação do trabalho após as 5h da manhã
Diversos estudos científicos sobre distúrbios do sono já comprovaram que o trabalho em horário noturno traz prejuízos à saúde e à segurança do trabalhador, por submetê-lo a alteração do seu ciclo biológico de repouso noturno, além de impor danos sociais ao empregado, já que limita seu convívio com familiares e amigos. Desse modo, pelo maior desgaste sofrido pelo labor em horas noturnas, assim definidas como aquelas cumpridas entre as 22h de um dia e as 5h do dia seguinte, nossa legislação prevê o pagamento do adicional noturno (artigo 7º, inciso IX, da CF/88 e artigo 73 da CLT). Mas, quanto às horas trabalhadas após as 5h da manhã, as discussões persistem: sobre elas também deve ser pago o adicional?
A questão foi recentemente analisada pelo juiz Diego Alírio Oliveira Sabino, na 6ª Vara do Trabalho de Betim, em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra a FIAT Automóveis. E ele entendeu que, se o trabalhador permanece em serviço depois das 5h da manhã, há prorrogação do trabalho noturno e, por isso, é devido o adicional, a fim de garantir a higidez física, mental, social e familiar do trabalhador que, penosamente, laborou durante o horário noturno e ainda estendeu sua jornada.
Para o magistrado, a interpretação baseada na finalidade protetiva da norma conduz à conclusão de que o artigo 73, parágrafo 2º, da CLT estabeleceu um mero parâmetro do que seja labor noturno. Parâmetro esse que deve ser confrontado com as reais condições do cotidiano do trabalho desenvolvido pelo empregado. "Assim, não importa, para incidência das normas protetivas do trabalho noturno, que o serviço esteja abrangido pelos parâmetros estritos de horários celetistas (compreendido entre as 22h00 de um dia e as 5h00 do outro). O que prevalece é a efetiva submissão a condições de trabalho noturno que acarretem prejuízos consideráveis ao trabalhador, em sua saúde, segurança e vida social e familiar" , pontuou o juiz.
O julgador frisou que apenas o gozo do descanso e do sono afasta o trabalhador do gravame do trabalho noturno, de modo que não é possível retirar-lhe o direito ao adicional até que essa condição esteja superada. Ele ainda acrescentou que esse posicionamento, consolidado na Súmula 60 do TST (pela qual o adicional noturno mantém-se devido após as 5h), é aplicável à hipótese de jornada mista iniciada após as 22h, mas predominantemente trabalhada à noite. Ou seja, é devido o adicional noturno sobre o trabalho executado durante o dia em continuidade àquele prestado, na maior parte do tempo, à noite, ainda que o horário de início do labor tenha ocorrido após as 22h.
Por fim, o juiz rebateu o argumento da ré de que a parcela em questão seria indevida, já que, atendendo a previsão em norma coletiva, já paga adicional noturno de 30% e, portanto, prevaleceria esse pagamento, por ser ele mais benefício que o adicional de 20% sobre a prorrogação da jornada além da 5 horas da manhã. Para o magistrado, uma coisa não exclui a outra, já que a cláusula convencional que elevou o percentual noturno de 20% para 30% não estabeleceu, expressamente, que essa benesse implicaria o não pagamento do adicional sobre as horas que sucedessem à jornada noturna. "Com efeito, in casu, não há previsão nos instrumentos coletivos quanto à desnecessidade do pagamento do adicional noturno na prorrogação da jornada noturna em troca do adicional noturno de 30%. Ainda, tal previsão somente se aplica aos empregados não sujeitos ao regime de turnos ininterruptos de revezamento", completou.
Assim, deferindo antecipadamente os efeitos da tutela, o juiz condenou a montadora a pagar adicional noturno no período trabalhado após às 5h até o término da jornada, para todos os seus empregados que trabalham em jornada noturna, inclusive os que tenham iniciado sua jornada após às 22h, desde que o trabalho seja prestado majoritariamente à noite.
Recurso
Ao examinar recurso apresentado pela empresa, a 5ª Turma do TRT-MG manteve entendimento adotado pelo juízo de 1º grau e confirmou a condenação. A juíza relatora convocada, Ana Maria Amorim Rebouças, acrescentou que "ainda que tivesse havido a negociação coletiva alegada pela ré, ainda seria o caso de se verificar sua validade, em atenção às restrições existentes à autonomia privada coletiva, tais como o princípio da imperatividade das normas trabalhistas que não podem, em regra, ser afastadas pela vontade das partes, e o princípio da norma mais favorável, devendo-se optar pela norma que mais garantias civilizatórias gera aos trabalhadores".
O Tribunal manteve também a antecipação dos efeitos da tutela concedida pelo juiz sentenciante, sendo determinado que, no prazo de 30 dias após a intimação e até o julgamento final da ação, a ré cumpra a obrigação fixada na sentença, sob pena de multa no valor de R$1.000,00 a cada constatação, e por trabalhador encontrado em situação irregular.
(0010420-66.2014.5.03.0163 - sentença em 30/05/2014 - acórdão em 25/11/2014)