NJ Especial - Teletrabalho: Como a JT mineira tem se posicionado diante do home office e do trabalho externo.
Imagine o seguinte cenário: uma sala pequena e aconchegante, uma mesa com um computador. Uma criança dormindo no carrinho de bebê. Um gato de estimação dormindo sobre uma pilha de contratos, planilhas, projetos e relatórios. É a típica imagem do escritório de um teletrabalhador que presta serviços em sua própria residência.
Será que os profissionais do futuro trabalharão em casa ou, pelo menos, longe dos olhos do empregador? Não há respostas definitivas para esse questionamento, mas pode-se afirmar com certeza que esse fato já é realidade no presente e faz parte da rotina de muitos trabalhadores e empresas. A revolução provocada pela internet e o surgimento da computação em "nuvem" abriram o caminho para o crescimento de uma nova modalidade de prestação de serviços: o teletrabalho. Hoje em dia, o local da execução de tarefas não se restringe ao espaço físico da empresa.
A prestação de serviços na residência do profissional não é novidade no mundo do trabalho. Na Antiguidade os artesãos já realizavam esse tipo de trabalho. A atividade externa também já é conhecida há séculos. Mas a realidade dos trabalhadores a distância do passado - em sua maior parte navegantes, rodoviários, ferroviários ou caixeiros viajantes - é muito diferente da realidade da nova geração de profissionais, que conta com o auxílio da tecnologia.
"Home office", "trabalho remoto", "trabalho à distância", "trabalho externo", "trabalho portátil", "mobilidade corporativa". São expressões que já se incorporaram ao vocabulário adotado pelo mercado de trabalho moderno. Nesta NJ Especial, veremos como a JT mineira se posicionou com relação à matéria, no julgamento de casos recentes envolvendo a questão do teletrabalho.
Conceito de teletrabalho e legislação aplicávelInicialmente, é importante conceituar o teletrabalho, que é aquele realizado fora das dependências físicas da empresa, com a utilização de meios tecnológicos. O trabalhador que presta serviços desse modo poderá ser autônomo ou empregado. Tudo dependerá da forma como a relação se desenvolve. Se for uma pessoa física que presta serviços de natureza não eventual, com pessoalidade, onerosidade e subordinação ao contratante, estaremos diante de uma relação de emprego. Nesse sentido, dispõem os artigos 2º e 3º da CLT.
No dia 15/12/2011 foi publicada a Lei nº 12.551, que alterou o artigo 6º da CLT para equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos. Com isso, reforçou-se a ideia de que o poder diretivo poderá ser exercido tanto de forma pessoal pelo empregador dentro da empresa como por meios telemáticos ou informatizados, quando a prestação de serviços se der a distância.
A prestação de serviços a distância pode ocorrer de duas formas: pelo sistema de home office, expressão inglesa que significa "escritório em casa", e pelo sistema de trabalho externo. No primeiro caso, o trabalhador realiza suas atividades em domicílio, usando computador ou outros dispositivos ligados à internet, bem como programas específicos. Os designers e professores de cursos online são exemplos de profissionais que podem prestar serviços dessa forma. No segundo caso, a execução das tarefas ultrapassa os limites de um local físico, podendo ser realizadas fora do estabelecimento comercial da empresa e monitoradas com a utilização de meios tecnológicos, como, por exemplo, aparelho celular e tacógrafo. É o caso das atividades realizadas por profissionais como o caminhoneiro e o representante comercial.
Direitos do empregado que trabalha em home office ou em atividade externaA legislação trabalhista não diferencia o empregado que realiza trabalho a distância daquele que presta serviço na sede da empresa. Como regra geral, são aplicadas as mesmas normas às duas espécies de execução das atividades, de modo que, em tese, esses empregados possuem os mesmos direitos.
Existem algumas exceções referentes às particularidades do sistema adotado. Por exemplo, o benefício do vale transporte não é devido ao empregado que trabalha em domicílio, por razões óbvias.
Ao analisar o processo PJe nº 0010284-21.2013.5.03.0061, o desembargador Jorge Berg de Mendonça fez uma importante observação sobre esse tema: "O fato constitutivo do direito ao vale transporte é o deslocamento do empregado de sua residência até o local de trabalho, o que se presume, pois, é o que ordinariamente acontece, salvo casos excepcionais de trabalho em domicílio do empregado ou situações em que este resida no próprio estabelecimento empresarial, hipóteses que não restaram demonstradas nos autos".
Relação de empregoO pedido de reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes está sempre presente na maioria das ações trabalhistas que versam sobre o teletrabalho.
Nos termos do artigo 6º da CLT, "Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego".
Nos casos julgados pela JT mineira, observa-se que não há divergências quanto ao fato de que o trabalho remoto do empregado não representa obstáculo ao reconhecimento da relação de emprego, quando presentes os pressupostos exigidos pelo artigo 3º da CLT. No entanto, a identificação dos elementos caracterizadores da relação de emprego não é uma tarefa fácil para os julgadores. Depende da análise minuciosa de cada caso e das provas produzidas em juízo. A maior dificuldade está em aferir a subordinação, uma vez que ela é atenuada quando se trata de teletrabalho.
No caso analisado no processo nº 0000096-90.2012.5.03.0129, a desembargadora relatora Denise Alves Horta não reconheceu a existência de vínculo empregatício entre os réus e um tecelão. De acordo com a versão apresentada pelo trabalhador, os réus lhe pagariam um real por peça produzida. Mas a desembargadora percebeu que essa informação não correspondia à realidade, pois foi desmentida em juízo pelo próprio tecelão.
Inicialmente, ela reforçou que o fato de o trabalho ser realizado em domicílio do trabalhador (art. 6°, caput, da CLT) ou em oficina da família (art. 83 da CLT), por si só, não impede a configuração da relação de emprego, desde que estejam caracterizados os requisitos para isso. Contudo, na percepção da desembargadora, o depoimento pessoal do próprio tecelão revelou elementos desfavoráveis à tese de relação de emprego. Ele confessou que os réus lhe venderam uma máquina de tecer que seria paga a eles com a entrega de peças de roupas. O tecelão revelou ainda que o serviço combinado seria prestado por ele e por sua esposa, trabalhando por peça produzida e partilhando com ela o valor recebido.
"Cumpre pontuar que, em se tratando de trabalho em domicilio, há a mitigação do requisito da pessoalidade na configuração do vínculo empregatício, considerando que o trabalho é realizado longe das vistas do empregador. Assim, o fato de as peças serem também produzidas pela esposa do reclamante, em auxílio a ele, por si só, não seria suficiente para o afastamento do vínculo. Não obstante, no caso, a subordinação jurídica, outro requisito para a configuração do liame empregatício, restou afastada, uma vez que os réus apenas exigiam os produtos do trabalho, não havendo fiscalização sobre o modus operandi da atividade", concluiu a relatora.
Já o caso analisado no processo nº 00977-2009-129-03-00-7 teve um desfecho diferente. A 7ª Turma do TRT mineiro reconheceu o vínculo existente entre uma vendedora de passagens, que prestava serviços em sua própria residência, e uma empresa de transporte rodoviário municipal e intermunicipal de alunos e turistas. A empresa fornecia equipamentos para a execução do serviço, como linha telefônica, computador, impressora e móveis. Por isso, a Turma considerou caracterizada a ocorrência de teletrabalho, já que o contrato envolvia execução de atividade especializada com o auxílio da informática e da telecomunicação.
A empresa afirmou ter contratado o agendamento e a venda de passagens de forma autônoma. Entretanto, rejeitando a alegação patronal, o relator do caso, juiz convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar, considerou que os elementos fornecidos pela própria reclamada contribuíram para caracterizar a relação de emprego. A empresa incluiu no contrato escrito firmado com a trabalhadora que ela não poderia locar, ceder, transferir ou sublocar a terceiros os serviços contratados, durante o prazo de vigência do contrato, sem a expressa autorização da contratante. O contrato também impunha os dias da semana e os horários em que deveriam ser executadas as atividades. Ficou comprovado ainda que a reclamante recebia comissões sobre as vendas realizadas.
Em relação ao teletrabalho, o controle de jornada é o tema mais frequente abordado nas ações que tramitam na JT mineira. Os trabalhadores reivindicam o reconhecimento do direito de receber horas extras, ao fundamento de que cumprem jornadas superiores à estabelecida em lei. Mas nem sempre eles obtêm sucesso em seus pedidos. Tudo vai depender das circunstâncias do caso e do conjunto de provas.
O artigo 62, inciso I, exclui da duração normal de 8 horas diárias de trabalho os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho.
Diante dessa norma, surge o seguinte questionamento: faz jus às horas extras o trabalhador que se ativa fora do escritório ou em casa, da mesma forma que aquele que presta serviços no próprio estabelecimento? Essa é uma dúvida comum no meio jurídico. Nessa situação, os julgadores verificam se o trabalho realizado pelo empregado fora do estabelecimento é compatível com algum tipo de controle de horário pelo empregador. E, dependendo da atividade do trabalhador, existem programas de computador capazes de controlar a sua jornada.
No processo nº 00727-2013-018-03-00-1, julgado pela 4ª Turma do TRT-MG, um trabalhador alegou em seu recurso que foi contratado como Auxiliar de Pesquisa e Coleta de Dados, prestando serviços "em casa" ou externos. Destacou, ainda, que a única sede da empresa no Brasil está localizada no estado de São Paulo e renovou o pedido de condenação da empresa ao pagamento das horas extras trabalhadas. Entretanto, o relator do caso, juiz convocado Vitor Salino de Moura Eça, não deu razão ao empregado. Ao analisar os depoimentos das testemunhas, ele verificou que o trabalho era desempenhado sem fiscalização da jornada. O magistrado observou que o próprio reclamante afirmou em depoimento pessoal que comparecia à empresa somente duas vezes por ano, confessando que a organização da rota e o horário de intervalo eram definidos por ele mesmo.
Na visão do relator, a empresa conseguiu demonstrar a impossibilidade de fiscalização das atividades externas praticadas pelo reclamante, seja em sistema "home office" ou "teletrabalho", em sua residência, seja na visitação a lojistas conforme rota que o empregado estabelecia, atendendo à própria conveniência.
"Demonstrada na vertente hipótese a ausência de fiscalização da jornada praticada, além de livremente organizadas pelo trabalhador as atividades externas realizadas, ou em sistema de home office praticadas, incide a exceção expressa no art. 62, inciso I, da CLT. Executado o labor fora do alcance de controle do empregador, não faz jus o obreiro às horas extras postuladas", finalizou o julgador.
Doença ocupacional do teletrabalhador: empregador pode ser responsabilizado?O fato de o empregado trabalhar no sistema de home office isenta o empregador de responsabilidade em caso de acidente de trabalho ou doença ocupacional? A Turma Recursal de Juiz de Fora julgou o processo nº 00208-2006-143-03-00-2, no qual foi abordada essa matéria. Para os julgadores, a resposta é: não.
No caso, a reclamante foi contratada para exercer a função de "acabamentista/cortadeira" e foi afastada dos serviços nove anos depois, por ter adquirido uma tendinite. A atividade da reclamante consistia em passar o cadarço, com uma agulha especial, pela boca dos sacos confeccionados pela ré, o que resultava em movimentos repetitivos, sendo executados em série, com produção em grande escala. O laudo pericial confirmou a existência de nexo causal entre o trabalho e a doença que acometeu a reclamante. Entendendo que ficou evidenciada a culpa patronal, o juiz sentenciante condenou a empresa ao pagamento de uma indenização por danos morais, no valor de 10 mil reais. A empresa recorreu sustentando que, pela natureza do trabalho realizado, não tinha condições de acompanhar o cotidiano da empregada.
Rejeitando as alegações patronais, o desembargador relator Heriberto de Castro confirmou a condenação, apenas reduzindo o valor da indenização para 5 mil reais. E fundamentou seu voto com as seguintes palavras:
"O fato de o empregado trabalhar em domicílio não constitui, por si só, motivo para eximir o empregador da observância das normas de segurança e medicina do trabalho, colocando o trabalhador à margem da proteção legal que deve abranger 'todos os locais de trabalho', sem distinção (artigo 154 da CLT). É certo que não há como exigir do empregador, em semelhante circunstância, a fiscalização cotidiana dos serviços prestados, inclusive quanto à efetiva observância pelo empregado das normas de segurança e medicina, mesmo porque a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial, nos termos da garantia estatuída no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal. Essa particularidade, sem dúvida, constitui elemento que vai interferir na gradação da culpa do empregador em relação a eventual doença profissional constatada, mas não permite isentá-lo do cumprimento de obrigações mínimas, como a de instruir os empregados quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, nos termos do artigo 157, II, da CLT, além de fornecer mobiliário adequado, orientando o empregado quanto à postura correta (artigo 199 da CLT), pausas para descanso, etc. Verificado o descumprimento dessas obrigações primordiais pelo empregador, em face da sua omissão negligente no tocante aos cuidados com a saúde da empregada, é inegável a sua culpa no surgimento da doença profissional constatada, incidindo sua responsabilidade pela compensação do dano moral sofrido pela obreira".
Estrutura necessária para o funcionamento do home officeComo a questão dos custos com a implantação da estrutura necessária ao funcionamento do sistema não é regulamentada, via de regra, essas despesas são pagas integralmente pelo empregador, pois a ele compete assumir os riscos da atividade econômica (CLT, art. 2º). Ou, ainda, podem ser divididas entre a empresa e o empregado, quando existe a possibilidade de uso das ferramentas de trabalho também para fins particulares.
Foi o que constatou o juiz convocado Vitor Salino de Moura Eça ao analisar o processo nº 00727-2013-018-03-00-1: o reclamante admitiu que recebia o reembolso de 50% da despesa com a contratação da banda larga, cujas faturas foram juntadas ao processo. Entretanto, conforme ponderou o relator do caso, em se tratando de home office, é evidente que o uso da banda larga não se limitava exclusivamente aos fins de trabalho, sendo livremente utilizado pelo reclamante para fins particulares/pessoais, sem qualquer limitação de acesso ou controle por parte da reclamada. Nesse sentido, o magistrado não reconheceu qualquer desproporcionalidade entre o valor do reembolso ofertado e pago pela reclamada e o valor efetivamente gasto pelo reclamante, contemplando o uso particular da banda larga, motivo pelo qual confirmou a sentença que julgou improcedente o pedido de reembolso das despesas com internet.
Relação de teletrabalho exige preparação de ambas as partes envolvidasA preparação traz benefícios para ambas as partes. A empresa ganha em economia, rapidez das soluções e maior produtividade dos teletrabalhadores. Por sua vez, os empregados ganham em comodidade, organização, motivação, flexibilidade de horários, mais tempo livre e qualidade de vida.
Mas a JT mineira recebeu a ação de uma trabalhadora que ainda não estava preparada para essa modalidade de prestação de serviços e teve uma experiência mal sucedida com o home office. A empresa instalou na residência dela uma linha telefônica, à disposição das empresas tomadoras de serviços 24 horas por dia. Segundo alegou a empregada, a casa dela transformou-se em base da empresa, recebendo visitas de inspetores, emitindo documentos e notas fiscais, sendo também setor de vendas. Ela disse que a situação feriu a sua privacidade e de sua família e que, por pouco, não houve comprometimento da convivência familiar. Por essas razões, pleiteou indenização pelos danos morais sofridos, pedido que foi rejeitado pelo juiz sentenciante.
Atuando como relatora do caso, a desembargadora Mônica Sette Lopes negou provimento ao recurso da trabalhadora e enfatizou em seu voto que: "o fato de a reclamante ter aceitado que a empresa instalasse, provisoriamente, um telefone e equipamentos em sua residência, não configura dano moral. Não houve prova de que a transferência temporária da base da ré para a casa da autora lhe causasse constrangimentos, ou que lhe tivesse sido imposta, de modo a caracterizar invasão de sua privacidade. O home office constitui tendência no mundo corporativo mundial e, na verdade, traz várias vantagens para o empregado, porque amplia o seu tempo de convivência familiar, além de diminuir os seus gastos com transporte e alimentação". (Processo nº 0000768-30.2014.5.03.0129).
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