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Justiça do Trabalho condena Vale a pagar indenizações de R$ 1 milhão a herdeiros de empregados falecidos em Brumadinho

publicado: 10/06/2021 às 18h36 | modificado: 10/06/2021 às 19h55
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A juíza Vivianne Célia Ferreira Ramos Correa, titular da 5º Vara do Trabalho de Betim, condenou a Vale S.A. a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 1 milhão por vítima fatal, aos espólios/herdeiros dos empregados falecidos para reparação do dano-morte experimentado em decorrência do rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho-MG. A ação civil pública é de autoria do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração de Ferro e Metais Básicos de Brumadinho e Região (Metabase). O valor arbitrado à condenação foi de R$ 150 milhões, com determinação de incidência de atualização monetária e juros de mora a partir da sentença. 

O Sindicato Metabase requereu o pagamento de indenização por danos morais individuais às vítimas fatais do acidente de trabalho ocorrido em Brumadinho/MG, no dia 25 de janeiro de 2019, com o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, no valor de R$ 3 milhões por vítima fatal.

Em defesa, a mineradora Vale alegou, preliminarmente, usurpação  de  competência  do  STF  para controle concentrado de constitucionalidade do artigo 223-G, parágrafo 1º, incisos I a IV, da CLT; litispendência e coisa julgada; ilegitimidade ativa do sindicato autor de representar trabalhador já falecido; a natureza heterogênea  dos  direitos;  não  cabimento  de  ação  civil  pública  ou coletiva  em  face  de  direitos  individuais  heterogêneos.  Requereu a suspensão do processo em razão do pleito de inconstitucionalidade do artigo 223-G. No mérito, pediu a improcedência da ação.

No entanto, todas as preliminares foram rejeitadas pela juíza. Ela considerou o sindicato parte legítima para o ajuizamento da ação, afastando os argumentos da ré de que o sindicato não poderia representar trabalhador já falecido, por ele não pertencer mais à categoria profissional. Para tanto, baseou-se no  artigo 8º,  inciso III,  da  Constituição da República de 1988, que dispõe caber ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, bem como no artigo  91  do  CDC  que prevê  que  tal  legitimidade  autoriza  a  propositura  de  ações  no  interesse  das vítimas ou seus sucessores.

A julgadora também ponderou que a defesa coletiva dos interesses e dos direitos das vítimas será exercida quando se tratar de interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos, os decorrentes de origem comum (CDC 81, III). E, no caso, para a magistrada, é inquestionável a origem comum do dano alegado (mortes decorrentes da ruptura da Barragem da Mina Córrego do Feijão), inexistindo situação singular que pudesse sugerir a heterogeneidade arguida pela ré.

Tragédia anunciada – Na ação, o sindicato alegou que as investigações em andamento levadas a cabo pela força-tarefa apontam indícios de que a Vale sabia da falta de segurança a que submetia todos os trabalhadores diretos e indiretos “diuturnamente”. Sustentou que as notícias veiculadas, os documentos levantados pela força-tarefa e os processos criminais em curso demonstraram que a Vale obteve informações sobre o estado crítico da barragem e, no entanto, deixou de adotar as medidas necessárias para evitar o colapso da estrutura, assumindo o risco do resultado morte de centenas de pessoas.

A mineradora admitiu que “é fato público e notório que no dia 25/1/2019 houve o rompimento das barragens B-I, B-IV e B-IV A, todas do Complexo Minerário do Córrego do Feijão, localizado em Brumadinho-MG.” Afirmou, contudo, ser impossível sua responsabilização pelo acidente. Alegou que o artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição impede que seja aplicada ao direito do trabalho a responsabilidade objetiva e que não foi demonstrado que contribuiu com culpa para o acidente.

Responsabilidade objetiva - Mas, para a juíza, a investigação de culpa mostrou-se dispensável, pois sendo a mineração a atividade principal da Vale S.A., normalmente desenvolvida no local de prestação de serviço das vítimas fatais, decorre dela, por sua natureza (CNAE 07.10-3-01 - Extração de minério de ferro; Grau de Risco 4, conforme NR-4), risco aumentado para os empregados, atraindo a incidência da responsabilidade objetiva prevista no artigo 927 do Código Civil.

Além disso, na conclusão da magistrada, as circunstâncias apuradas no processo demonstraram claramente que a mineradora contribuiu com culpa para a ocorrência do acidente de trabalho.

Relatórios técnicos - A julgadora destacou documento juntado ao processo, que é o Relatório de Investigação Independente – Rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão – Brumadinho -MG, contratado pelo Conselho de Administração da mineradora, com o objetivo de atuar na apuração das causas e responsabilidade do rompimento da barragem.

As conclusões apresentadas foram as seguintes:

“A Equipe Técnica do CIAEA concluiu que o movimento da barragem B1 ocorreu por instabilidade estrutural com liquefação. Os aspectos técnicos mais relevantes para o rompimento foram drenagem interna inadequada, elevado nível freático nos reservatório, deformação lenta dos rejeitos atingindo o pico de resistência na condição não drenada e perda de sucção no material acima do nível freático, estrutura da barragem não projetada para conter material liquefeito e consideração inadequada das questões de estabilidade identificadas durante a existência da B1. A Equipe de Apuração concluiu também que, pelo menos desde 2003, a Vale possuía informações que indicavam a condição de fragilidade da B1 além de informações anteriores à aquisição da Ferteco. Tais informações tornaram-se especialmente relevantes após o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, ocorrido em novembro de 2015”.

Já em 2016 estudos baseados em ensaios de campo realizados na B1 indicavam que a condição da barragem era frágil. Estudos realizados em 2017 também indicavam condição de estabilidade apenas marginal, mas a área de geotecnia da Vale ofereceu resistência quanto a aceitação dos resultados obtidos em 2017.

Evidências obtidas pela investigação sugerem que a paralisação de disposição de rejeitos na barragem, em julho de 2016, foi determinada pelo então diretor-executivo de Ferrosos, possivelmente em razão da preocupação de segurança relacionada à B1. As medidas adotadas para remediar as fragilidades e aprimorar a segurança foram limitadas e malsucedidas (DHPs - medida abortada após o evento do DHP 15) ou, se tivessem sido implementadas, (descomissionamento com remineração de rejeitos), não seriam eficientes em curto prazo para elevar a estabilidade da B1 a condições satisfatórias.  Além disso, era conhecido o fato de que, em caso de rompimento, a capacidade de resposta da Vale era limitada e os impactos seriam significativos (especialmente, sobre as instalações administrativas a jusante da B1) e com tempo de reação mínimo.

Apesar dessas conclusões, a juíza destaca que, “em que pese o conhecimento das fragilidades da B1 e do impacto de seu eventual rompimento, não foram identificadas evidências de estudos e/ou medidas visando a remoção das instalações administrativas a jusante da B1”.

Além disso, a Análise de Acidente realizada por Auditores do SEGUR (Seção de Segurança e Saúde do Trabalhador da Superintendência Regional do Trabalho em Minas Gerais) ratifica a insuficiência e ineficiência das iniciativas implementadas, destacou na decisão.

A Vale suscitou a existência de vícios no documento, afirmando que “foi elaborado a partir de premissas e análises completamente estranhas às relações de trabalho” e “exame impróprio e superficial acerca de relatórios geotécnicos e de documentos intrinsecamente relacionados à Política Nacional de  Segurança de Barragem (PNSB)”, com “análise e juízo de valor sobre  questões técnicas” de atribuição dos órgãos integrantes do SISNAMA e ANM.

Contudo, para a magistrada, a análise de acidentes de trabalho integra o rol de atribuições dos Auditores do Trabalho (Decreto nº 4.552 /2002, artigo 18, XIV), razão por que, nada obstante as defesas administrativas apresentadas pela mineradora, cujas cópias foram colacionadas aos autos, cabe presumir pela regularidade formal e material do documento, que reveste-se de fé pública.

Como se não bastasse, as conclusões alcançadas são convergentes com aquelas apuradas no Relatório de Investigação Independente – Rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão – CIAEA, assim como são ratificadas pela perícia realizada no bojo de inquérito que tramita na Refeita Federal, ressaltou a julgadora.

Ela acrescentou que a leitura do Laudo de Perícia Criminal Federal – Engenharia ratifica as falhas relativas ao trânsito de informação, a utilização de parâmetros de segurança equivocados nos estudos e declarações desenvolvidos no período, insuficiência das medidas adotas e a ciência do número elevado de vidas seriam perdidas no caso de rompimento em pior cenário.

Riscos negligenciados - Assegurado o debate, não havendo ofensa ao contraditório, a magistrada concluiu que se mostra evidente, dessa forma, que os riscos do rompimento da barragem e respectivas consequências eram conhecidos e foram conscientemente negligenciados pela miradora. A juíza lembrou que nem mesmo o acidente ocorrido em Mariana/MG, em novembro de 2015, que ocasionou o mais extenso dano ambiental do país e a morte de 19 pessoas, foi suficiente para convencer a mineradora a adotar práticas que assegurassem, ao menos, a vida e integridade física das pessoas.

Quanto à alegação de que as operações realizadas foram autorizadas pelos órgãos competentes, ela destacou que havia sonegação de informações no interior da própria corporação, permanecendo somente as informações relevantes e desfavoráveis, restritas a uma diretoria específica, o que foi apontado no Relatório de Investigação Independente como uma das causas do acidente.

O Relatório da Análise de Acidente do SEGUR apurou a existência de “um solo transportado que não era considerado nos cálculos do fator de segurança para estabilidade da barragem”, destacou.

Assim, nas palavras da juíza, “fica claro que as informações prestadas aos órgãos competentes não eram completas e /ou corretas”.

A juíza finalizou concluindo que a mineradora deverá responder objetivamente pelo acidente, tendo em vista que ele foi consequência das atividades por ela normalmente desenvolvidas, com risco aumentado para os empregados, porque a Vale não implementou as medidas possíveis e necessárias ao impedimento do acidente nas proporções verificadas. Para ela, estão evidentes a culpa e o nexo causal. Cabe recurso da decisão.

Fotoarte: Leonardo Andrade

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