Justiça do Trabalho nega suspensão de acordo homologado, pretendida por empresa que alegou ter sido afetada pela pandemia
Integrantes da Décima Turma do TRT mineiro negaram provimento ao recurso de uma empresa que, alegando problemas financeiros, decorrentes da pandemia da Covid-19, pretendia a suspensão do pagamento das parcelas previstas em acordo celebrado com o trabalhador e devidamente homologado em juízo. Por unanimidade, os julgadores da Turma mantiveram decisão do juízo da 25ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que já havia negado o pedido da devedora. Foi acolhido o voto do relator, juiz convocado Márcio José Zebende, que decidiu pelo prosseguimento da execução, tendo em vista que a empresa não provou a ausência de caixa para cumprir com as parcelas ajustadas, mesmo porque continuava a exercer suas atividades.
A empresa do ramo de prestação de serviços de telecomunicações e internet alegou que não tinha condições financeiras de cumprir o acordo, homologado em novembro/2019, sem que isso comprometesse suas atividades, inclusive o pagamento de salários aos empregados. Disse que, tendo em vista o cumprimento das medidas emergenciais de contenção ao coronavírus, teve que reduzir ao máximo o número de colaboradores, o que levou à paralisação de várias obras. Afirmou que conta exclusivamente com o valor pago pelos clientes e que a pandemia ocasionou queda da receita em percentuais elevados, de forma a impactar diretamente o caixa da empresa. Reiterou o pedido de suspensão da execução, com a suspensão da obrigação de pagamento das parcelas previstas no acordo, enquanto perdurar o estado de calamidade e força maior reconhecido mundialmente.
Na decisão, o relator ressaltou que o acordo homologado faz coisa julgada, nos termos dos artigos 831, parágrafo único, e 835 da CLT. Acrescentou que, entretanto, tendo em vista a peculiaridade e gravidade da crise que se instalou com a pandemia da Covid-19, a possibilidade de se flexibilizar o prazo de cumprimento do acordo é algo que não pode ser descartado. “A providência encontra amparo na teoria da imprevisão, positivada nos artigos 317 do Código Civil, e também na teoria da onerosidade excessiva, prevista nos artigos 478 a 480 do mesmo diploma”, destacou o julgador, acrescentando que, contudo, essa possibilidade deve ser examinada caso a caso.
Em relação ao caso específico, o relator observou não ter havido evidências de que a empresa executada não dispunha de caixa suficiente para arcar com o valor acordado, mesmo porque suas atividades não chegaram a ser paralisadas. Nesse quadro, concluiu que a execução deveria prosseguir, respeitando-se rigorosamente o pactuado entre a empresa e o trabalhador, conforme vontade das partes manifestada perante o juízo, a qual resultou em acordo válido e devidamente homologado.
Teoria da imprevisão – O julgador frisou que a pretensão da empresa de alteração das condições acordadas exige análise da teoria da imprevisão, a qual está prevista no artigo 317 do Código Civil, nos seguintes termos: "Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação".
É que, como explicou o juiz convocado, o acordo judicial constitui relação jurídica de trato continuado, cuja eficácia está condicionada à manutenção dos pressupostos fáticos e jurídicos que existiam na ocasião em que foi celebrado. “Em outras palavras, admite-se a revisão de acordo judicial, se ocorrer modificação no estado de fato ou de direito”, pontuou.
No caso, o julgador ponderou ser inquestionável a situação excepcional em que vivemos em razão da pandemia da Covid-19, a qual é profundamente diferente dos fatos que existiam na época da celebração do acordo (novembro/2019), o que exige que se analise se esse novo contexto é suficiente para alterar o ajuste homologado.
Mas, na conclusão do magistrado, por não existirem evidências de que a empresa realmente não dispunha de caixa suficiente para arcar com o valor do acordo e tendo em vista que ela não paralisou suas atividades, permanecendo, como é público e notório, com atendimento aos seus clientes, não cabe, no caso, a aplicação da teoria da imprevisão, devendo prosseguir com o devido cumprimento do acordo pela ré.
“De fato, não pode o exequente arcar com as consequências da conduta empresarial, salientando-se que, no caso, discutem-se parcelas de natureza alimentícia (artigo 100 da CR). À empresa incumbe arcar com os riscos do empreendimento econômico, máxime quando estão em xeque parcelas de direito do exequente e que não foram pagas no momento oportuno”, pontuou. Ressaltou, ainda, que a empresa deverá arcar com as consequências pelo descumprimento do acordo, inclusive com o pagamento das multas e antecipação do vencimento das demais parcelas, nos exatos termos previstos no ajuste.
A empresa havia formulado pedido alternativo de liberação ao trabalhador do valor já depositado em juízo e de parcelamento do débito remanescente ou oferecimento de bens em valor superior ao débito, o que também foi rejeitado pelo relator, porque, da mesma forma, implicaria violação da coisa julgada.