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NJ Especial - Mariana, 3 anos: apenas o núcleo familiar direto dos trabalhadores falecidos tem direito à indenização por dano moral?

publicado: 25/11/2018 às 23h04 | modificado: 29/11/2018 às 15h05

Logo do NJ EspecialO rompimento da barragem de rejeitos da exploração de minério de ferro de Fundão, em Mariana-MG, completou três anos no último dia 5 de novembro. A tragédia deixou 19 mortos e um rastro de destruição imensurável. Muitas famílias que se sentiram atingidas pelas mortes dos entes queridos procuraram a Justiça do Trabalho pedindo reparações por parte das empresas envolvidas. Pais, filhos, cônjuges e, até mesmo, parentes não incluídos no núcleo familiar direto de trabalhadores falecidos recorreram ao Judiciário para buscar o que se conceituou como “dano moral por ricochete”. Também chamado de dano moral indireto ou reflexo, ele ocorre quando os danos ultrapassam a esfera da vítima, ou seja, trata-se do dano causado a uma terceira pessoa como reflexo de uma lesão sofrida pela vítima imediata, no caso, o empregado.

Nesta NJ especial, veremos algumas decisões do TRT de Minas em casos envolvendo parentes, mais especificamente sobrinhos de trabalhadores mortos no rompimento da barragem. Será que eles têm direito à indenização por danos morais? O que é preciso observar nesses casos? Os detalhes dos processos serão omitidos, por correrem em segredo de justiça. As decisões foram proferidas com base na legislação anterior à Reforma Trabalhista, uma vez que as ações foram ajuizadas antes da Lei nº 13.467/2017.

Foto cedida pela Prefeitura Municipal de Mariana

 

Indenização negada: sobrinhos não provam convivência íntima com falecido

Os familiares de um trabalhador morto na tragédia de Mariana ajuizaram ação pedindo reparação por danos. Mas a companheira, os filhos, os pais e o irmão celebraram acordo com as empresas envolvidas. Remanesceram os sobrinhos no processo, que chegaram a ter o pedido deferido em 1º grau. No entanto, a decisão foi reformada pela 10ª Turma do TRT de Minas. Para a maioria dos julgadores, os parentes não provaram convivência íntima com o falecido, de modo a se cogitar de abalo psicológico passível de indenização. Nesse contexto, as rés foram absolvidas da condenação.

Legitimidade - As empresas argumentaram que os sobrinhos não teriam legitimidade para propor ação de indenização por danos em virtude do falecimento do empregado. Somente os sucessores e dependentes poderiam fazê-lo. Mas, segundo observou a relatora, desembargadora Taísa Maria Macena de Lima, os autores são os únicos legitimados para vir a Juízo reivindicar a compensação pela sua própria dor. “O pedido de indenização por danos morais, como denunciado na inicial, diz respeito à dor dos próprios autores, resultante da violação de direitos de família puros e de direitos da personalidade - e não a do falecido empregado”, destacou.

É o chamado dano moral em ricochete. "O acidente do trabalho fatal repercute intensamente no núcleo familiar da vítima, mas projeta seus reflexos dolorosos sobre todos que de alguma forma estavam a ela vinculados afetivamente”, registrou, citando lição do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira.

A questão apreciada foi: entes da família que não eram cônjuges ou parentes de primeiro grau (pais ou filhos) teriam direito à indenização por dano moral?

No caso de acidente do trabalho com morte, a desembargadora explicou que há presunção do dano moral em relação ao núcleo familiar básico da vítima: pais e filhos, assim como do cônjuge. São pessoas que, naturalmente, desenvolvem uma relação de intimidade especial com a vítima. Essa presunção, todavia, deixa de existir em relação a outros membros da família. Assim, o simples fato de integrar a família não basta para se reconhecer o dano moral indenizável em razão do falecimento do empregado.

Segundo a decisão, a jurisprudência e a doutrina firmaram-se no sentido de que, exceto em relação aos ascendentes e descendentes em primeiro grau (pais e filhos) e o cônjuge, os demais membros da família têm o ônus processual de demonstrar a convivência como íntimos do falecido.

Nesse sentido, a relatora recorreu aos ensinamentos de José de Aguiar Dias: "Estão, em primeiro lugar, os parentes mais próximos da vítima, isto é, os herdeiros, ascendentes e descendentes, os cônjuges e as pessoas diretamente atingidas pelo seu desaparecimento. [...]. As dúvidas, e das mais intrincadas, surgem do abandono desse círculo limitado que se considera a família propriamente dita. Em relação a ela, o prejuízo se presume, de modo que o dano, tanto material quanto moral, dispensa qualquer demonstração, além da do fato puro e simples da morte do parente. Fora daí, é preciso provar que o dano realmente se verificou". (In: Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v. 2, pág. 795).

Sobre a questão, trouxe o esclarecimento do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira: "...o ponto de partida será sempre o núcleo familiar restrito, dos que mantinham convivência mais íntima com a vítima e que são presumivelmente aqueles diretamente afetados. Outros pretendentes também poderão lograr êxito, desde que apresentem provas convincentes de laço afetivo duradouro com a vítima e dos efeitos danosos causados pela morte, de modo a justificar o deferimento da reparação por danos morais". (In: Atualidades sobre a indenização por da no moral decorrente do acidente do trabalho. Rev. TST, Brasília, vol. 73, no 2, abr/jun 2007, pág. 143).

Seguindo esse raciocínio, a relatora entendeu que o dano moral em relação aos sobrinhos deveria ter sido demonstrado, o que não ocorreu. Para ela, eles tinham que ter demonstrado a participação na vida e na rotina do empregado falecido, seja pela proximidade, pela convivência diária, por residir na mesma casa ou de outra forma. Só assim para se concluir que a morte, efetivamente, teria trazido abalo psicológico.

A magistrada mencionou o depoimento da viúva, segundo o qual, na residência, moravam somente a esposa, o filho e o marido falecido. No seu modo de entender, o contexto não autoriza o reconhecimento da indenização pretendida pelos sobrinhos. Por isso, acolheu os recursos das empresas para afastar o pagamento da indenização por dano moral aos autores sobrinhos do falecido.

Foto cedida pela Prefeitura Municipal de Mariana

 

Parentes mais distantes devem provar convívio habitual para reconhecimento do dano

Em outra situação envolvendo sobrinhos de trabalhador morto no rompimento da barragem de Mariana, a 11ª Turma do TRT de Minas também deu provimento ao recurso das empresas, para excluir o pagamento da indenização por danos morais que havia sido deferida em 1º grau.

Após o ajuizamento da ação, os irmãos do trabalhador firmaram acordo e os sobrinhos permaneceram no processo. Mais uma vez, a alegação foi de dano moral em ricochete pela dor decorrente da perda do tio. No entanto, os julgadores entenderam que a relação mais próxima, diária e de diferenciado afeto com os sobrinhos não foi provada. Desse modo, afastaram a indenização.

Ao rejeitar o argumento levantado pelas rés, a relatora do caso, juíza convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho, considerou que os sobrinhos são partes legítimas para postular em nome próprio compensação financeira pela lesão que atinge a própria esfera moral. Não se trata de transferência de propriedade de bens e direitos, que é o caso do direito sucessório, mas sim de direito gerado pela dor que a morte causa”, explicitou, acrescentando que a prova da relação de parentesco nem se mostra necessária. Segundo explicou, o que deve ser provado é relação estreita de afeto.

No caso, os elementos de prova apontaram para falhas estruturais e de segurança que impediram a prevenção do acidente. Houve falhas dos processos de segurança do trabalho, que expuseram o trabalhador a área de risco sem que fossem tomadas medidas suficientes para reconhecer o risco da atividade e permitir evacuação da área em tempo hábil de salvar-se. Os planos existentes foram insuficientes para tanto. Assim, foi reconhecida a negligência daqueles que utilizaram da força de trabalho do falecido, bem como a culpa das empresas.

Quanto ao dano, a magistrada lembrou se tratar de acidente de extrema gravidade, de ampla divulgação local, nacional e mundial, que deixou sequelas, ainda sentidas por toda a sociedade e que afetou de forma significativa a população local e o meio ambiente.

Contudo, no seu modo de entender, a prova não autorizou reconhecer o dano moral sofrido pelos sobrinhos no caso. Ela explicou que, em relação aos parentes próximos da vítima, do pequeno círculo familiar, ou seja, a família propriamente dita, o dano moral é patente. No entanto, ultrapassado este pequeno círculo, é indispensável provar que o dano efetivamente se verificou. É indispensável a demonstração do convívio habitual e da afeição intensa.

Uma das sobrinhas disse que residia em outra cidade e sequer soube dizer o nome da localidade onde o tio falecido residia ou outros dados. O mesmo se deu com o depoimento de uma testemunha. A fala da sobrinha convenceu a relatora de que a relação era mais distante, própria de quem não mantém aquela convivência habitual ou sob o mesmo teto. Não que a morte do tio não tenha causado sofrimento, mas não de forma a autorizar a imposição de indenização por dano a direito da personalidade.

A relatora também considerou frágil a prova relativa a outro sobrinho. Apenas uma testemunha o mencionou, limitando-se a dizer que não participava de encontros e não tinha muito contato.

Sobre a outra sobrinha, apontou que a testemunha trabalhava na loja ao lado da dela. No entanto, os fatos relatados não se referiram ao tio. A testemunha noticiou convivência esporádica nos anos de 2012 a 2014, sem indício de habitação conjunta ou mesmo de participação do falecido na vida da sobrinha diariamente, a ponto de ocupar espaço diferenciado em relação a outras pessoas ou parentes.

Diante desse cenário, a relatora considerou não ter havido prova suficiente sobre o dano moral suportado pelos sobrinhos, passível de compensação financeira.

Proc.0010858-78.2017.5.03.0069 (RO) - Data: 22/08/2018

Foto cedida pela Prefeitura Municipal de Mariana

 

Indenização concedida: Empresas não demonstraram ausência de ligação afetiva entre sobrinhos e empregado falecido

Um terceiro caso, também envolvendo sobrinhos de trabalhador falecido no rompimento da barragem de Fundão, foi apreciado pela 3ª Turma do TRT de Minas. Aqui os julgadores negaram provimento aos recursos e confirmaram a sentença que deferiu a indenização por danos morais. Com base no voto do juiz convocado Danilo Siqueira de Castro Faria, os julgadores entenderam que as empresas é que deveriam demonstrar a ausência de ligação afetiva entre os sobrinhos e o empregado falecido, o que não fizeram. A decisão reconheceu que o acidente decorreu de conduta negligente das empresas, entendendo que todos os elementos indispensáveis à responsabilidade civil ficaram caracterizados.

O relator citou o artigo 12 do Código Civil, que prevê expressamente a legitimidade de qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto grau reclamar perdas e danos relativos a direitos da personalidade de parente falecido. Para ele, a decisão de 1º grau andou bem ao admitir que parentes até o quarto grau possam postular a reparação de danos sofrida pessoal e indiretamente, pelo denominado dano moral ou dano em ricochete.

Também lembrando a lição do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira , o relator pontuou que parentes mais distantes também poderão obter indenização por dano moral em caso de acidente de trabalho, desde que apresentem provas convincentes de laço afetivo duradouro com a vítima e dos efeitos emocionais danosos causados pela morte do ente querido.

Assim, ele entendeu que os sobrinhos podem postular indenização em nome próprio, alegando afetação de seus próprios direitos de personalidade. Segundo a decisão, o acordo celebrado pelas empresas com outros parentes do falecido não abarca os autores, que pleiteiam direito próprio.

Para o julgador, as empresas é que tinham obrigação de demonstrar a ausência de ligação afetiva entre os sobrinhos e o empregado falecido, por se tratar de fato impeditivo do direito. Mas, no caso, os depoimentos das testemunhas caminharam em sentido contrário às alegações das rés, ratificando a existência de forte vínculo emocional entre as partes.

Nesse sentido, uma testemunha confirmou a relação de afetividade, ao declarar que sobrinho e tio moraram juntos depois que o pai do autor faleceu. Disse que o tio era muito presente e sempre encontrava a família nos finais de semana. As casas do falecido e do sobrinho ficavam no mesmo terreno. O relator observou que a narrativa corroborou o depoimento do sobrinho.

Quanto à sobrinha, o juiz convocado considerou que, apesar de a testemunha não ter melhor explicitado a relação do falecido com ela, o conjunto probatório não permitiu afastar a presunção de afetividade existente entre ela e o tio, conforme declarado em depoimento.

Dependência econômica - A inexistência de dependência econômica entre sobrinhos e tio foi considerada irrelevante, por se tratar de indenização por danos morais em ricochete, e não por danos materiais. “A reparação pretendida decorre de ofensa à esfera íntima dos reclamantes”, registrou o relator no voto.

Por fim, concluiu: “A morte do tio com quem os autores tinham fortes laços de afetividade faz exsurgir o dano moral indenizável”.  Portanto, confirmou a decisão de 1º grau que reconheceu o direito à indenização por danos morais.

Proc. 0012133-62.2017.5.03.0069 (RO) - Data: 20/06/2018

Clique aqui e confira: Mais jurisprudência do TRT-MG sobre pedidos de indenização por dano moral em ricochete, feitos por parentes de trabalhadores.

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