NJ Especial - Reforma trabalhista decreta fim do dano moral em ricochete na Justiça do Trabalho?
O dano sofrido por pessoa que é vítima de um ato ilícito pode repercutir em um terceiro, ou seja, em pessoa direta ou indiretamente ligada à vítima. É o chamado dano reflexo ou indireto, também conhecido como "dano em ricochete". E essa repercussão pode ser tanto de ordem material, quanto na esfera moral e íntima do terceiro afetado. Quer um exemplo de aplicação disso na seara trabalhista? No caso apreciado pelo juiz Glauco Rodrigues Becho, na Vara do Trabalho de Congonhas, uma mãe que perdeu o filho em acidente de trabalho teve reconhecido o seu direito de receber da empregadora dele uma indenização por dano moral. A decisão considerou que o enorme abalo emocional e a dor avassaladora gerada pela morte do filho em acidente ocorrido por culpa da empregadora, justificavam o deferimento da reparação por dano moral. (Para ver mais detalhes do caso, clique no link “Mãe de trabalhador falecido em acidente do trabalho será indenizada por dano moral”).
Mas desfechos como esse podem estar com os dias contados na Justiça do Trabalho. É que a Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017 (a lei da reforma trabalhista), que entrará em vigor a partir de 11 de novembro próximo, trouxe alterações significativas no campo da reparação pelo dano moral trabalhista, inserindo na CLT os artigos 223-A até 223-G.
As alterações foram inseridas no Título II-A, que trata do dano extrapatrimonial:
Art. 223-A - Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.
Art. 223-B - Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.
Como visto, a lei se refere a “dano extrapatrimonial” (expressão que veio a substituir “dano moral”), dispondo que deverá ser regulado “apenas” por esse título da CLT. A ideia foi afastar o arcabouço normativo até então utilizado pelo Judiciário Trabalhista em seus julgamentos, excluindo as regras gerais do Código Civil que regulam a matéria. Por outro lado, estabeleceu que somente a vítima direta tem direito à reparação da lesão extrapatrimonial.
E como fica o dano em ricochete? Ou seja, o dano causado à vítima indireta, cujo ressarcimento é igualmente passível de discussão? É esta a questão levantada nesta NJ Especial, a partir das considerações de dois juristas de relevo em matéria trabalhista, seguidas de relatos de casos interessantes e paradigmáticos julgados pelo TRT mineiro antes da reforma.
Des. Sebastião Geraldo: entendimento literal é pelo fim da reparação
A situação do dano em ricochete frente à reforma trabalhista foi objeto de reflexão pelo desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, ao proferir palestra no Seminário “A Reforma Trabalhista - Impactos nas Relações de Trabalho". O evento, realizado nos últimos dias 03 e 04 de agosto, foi promovido pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte – SetraBH, em parceria com o TRT da 3ª Região. No painel sobre “a tarifação dos danos extrapatrimoniais e a segurança jurídica”, o magistrado expressou suas primeiras impressões sobre a questão, abordando, inclusive, um caso por ele julgado.
O magistrado observou que a pretensão do legislador reformista foi criar um microssistema de dano moral que é válido só para o Direito do Trabalho. Por esse motivo, segundo ele, foi incluído no texto legal que, em matéria trabalhista, aplica-se “apenas o previsto neste artigo”. Ou seja, a lei civil para os casos de dano moral foi expressamente excluída da aplicação no processo do trabalho. Mas o desembargador entende que o dano material continuará sendo regulado pelo direito civil. Essa regulação só vale para o dano extrapatrimonial. Para ele, a regulamentação é singela para dar conta de todos os institutos da responsabilidade civil, apesar de oferecer algumas diretrizes importantes para tal.
O jurista chamou a atenção ainda para a previsão de que só caberá reparação ao titular do direito, ou seja, à pessoa física que foi vítima do dano, seja em caso de assédio moral, dano moral, acidente do trabalho etc. E foi aí que apresentou o seguinte questionamento: Não cabe mais o dano em ricochete? Segundo pontuou, a intenção do legislador foi afastá-lo. “É algo que nós julgamos com frequência na JT”, ponderou. Ele lembra o caso de um trabalhador que sofreu um acidente grave, ficou paraplégico e recebeu indenização. Posteriormente, veio a esposa à Justiça dizendo que ela também teria sido atingida indiretamente (dano em ricochete), já que o marido passou a necessitar dos seus cuidados e também perdeu funções sexuais, o que a afetou diretamente. Por isso, o desembargador relator entendeu que houve dano em ricochete e concedeu a ela a indenização respectiva. (Veja este e outros casos julgados pelo TRT mineiro no final da matéria).
Ainda conforme destacou, se a reparação só se aplica à vítima direta do dano, isso significa que o dano do terceiro não é indenizável? Ou é indenizável na Justiça Comum? Se assim for, ficarão sem direito a pleitear indenização por dano moral na Justiça do Trabalho os descendentes, cônjuge e pais do trabalhador que sofrer o dano em decorrência de ato ilícito do empregador. “Mas, então, em caso de morte do pai trabalhador, o filho ou os pais do falecido não mais poderão ser indenizados pelo dano moral sofrido com essa perda?”, questionou o desembargador, entendendo ter sido criada uma limitação na amplitude do tema dano moral. Para ele, essa é uma das respostas a se buscar, entre as muitas dúvidas que surgem com essa reforma.
Des. do TRT-RJ Enoque Ribeiro: o dano extrapatrimonial na Lei da Reforma Trabalhista
“O dano extrapatrimonial na Lei 13.467/2017, da Reforma Trabalhista” foi tema do artigo do desembargador do TRT da 1ª Região – Rio de Janeiro, Enoque Ribeiro dos Santos, publicado no portal GEN Jurídico, no dia 22/08/2017. Já de início, o magistrado ponderou: “A honra, dignidade, intimidade, vida privada de um ser humano não tem preço, que só as coisas têm preços, como já dizia Kant, pois a pessoa é um ser único, insubstituível, feito à imagem e semelhança de Deus, daí sua dupla natureza jurídica, uma material e outra imaterial ou extrapatrimonial”.
Para ele, não há como limitar ou restringir a aplicação do instituto do dano extrapatrimonial apenas aos casos especificados em estreito limite legal, como dispõe o artigo 223-A. “Na sociedade reurbanizada, globalizada, consumerista, politizada e altamente cibernética em que vivemos, não há possibilidade de estancar ou de represar a ocorrência de um instituto tão amplo como o dano não patrimonial”, ponderou, acrescentando que uma legislação, por mais avançada e moderna que seja, não consegue dar conta de todos os casos de incidência na contemporaneidade. De acordo com o desembargador, o dano moral segue a mesma trajetória do ser humano, pois um é corolário do outro.
Com relação ao artigo 223-B da CLT, acrescentado pela Lei 13.467/2017, pontuou que, além de trazer um conceito de dano moral, limita sua ocorrência apenas aos titulares do direito material à reparação. Situação que, conforme pondera, refoge à realidade dos fatos. “Muitas vezes os titulares do dano não patrimonial ultrapassam a pessoa do trabalhador, para atingir seus familiares mais próximos, situação que não se confunde com o dano indireto ou por ricochete”.
Ele deu um exemplo: um pequeno núcleo familiar, constituído pelo trabalhador empregado, esposa e filhos, que vivem em situação de plena felicidade, saúde e estabilidade, partilhando tudo o que a natureza lhes pode proporcionar. Uma doença profissional desencadeada no emprego ou um acidente de trabalho, por negligência do empregador, pode provocar uma completa desestruturação deste núcleo familiar.
Nessa situação, o desembargador apontou que o titular do direito à reparação pelo dano não patrimonial sofrido não é apenas o trabalhador, mas também o cônjuge e membros da família. Todos são atingidos pelo núcleo do instituto, ou seja, pela dor e angústia espiritual, já que juntos compartilhavam dos momentos de felicidade.
Como muitas vezes não será mais possível o retorno à situação anterior, de forma equivalente à situação de não ocorrência do dano, ou o mais próximo possível dela, a opção considerada viável é o pagamento da indenização ou reparação à vítima e familiares próximos, conforme recomenda o princípio do restitutio in integrum.
O desembargador teceu maiores considerações sobre a reforma trabalhista neste artigo.
Empresa é condenada a indenizar esposa de trabalhador que perdeu movimentos em acidente de trabalho e ficou impotente
Um caso histórico julgado pelo TRT mineiro foi o de uma empresa condenada a indenizar por danos morais em ricochete a esposa de um trabalhador que sobreviveu a um acidente de trabalho. A 2ª Turma do TRT de Minas reconheceu que ela sofreu prejuízo, uma vez que o marido ficou com lesão na coluna vertebral e teve sequelas, como limitação de movimentos, o que prejudicou a locomoção e causou impotência sexual. O voto foi proferido pelo desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, que explicou não ser necessário o falecimento da vítima de conduta patronal ilícita para que seja caracterizado o dano moral reflexo, indireto ou em ricochete (prejuízo sofrido por pessoa próxima ou ligada à vítima direta do ato ilícito).
Os detalhes do caso foram os seguintes: A esposa ajuizou ação, em seu próprio nome, na qual formulou pedido de reparação indenizatória. Alegou que o acidente lhe causou danos morais decorrentes das repercussões emocionais do fato, das alterações drásticas e dolorosas na sua vida doméstica e das restrições impostas em sua vida afetiva. Em sua defesa, a empregadora alegou que o pedido de danos morais decorrentes do acidente de trabalho já havia sido objeto de ação trabalhista ajuizada anteriormente pelo próprio acidentado. Na ocasião, foi homologado termo de acordo mediante o qual o ex-empregado lhe deu plena, geral e irrevogável quitação pelo objeto do pedido inicial e pelo extinto contrato de trabalho, para nada mais reclamar.
A discussão travada nos autos envolveu o dano moral em ricochete. A empregadora sustentou que essa possibilidade ocorre excepcionalmente nos casos de morte, não havendo, portanto, embasamento jurídico para o pedido da esposa, já que o marido sobreviveu ao acidente. Segundo a tese defendida, ela exagerou e cometeu um equívoco ao associar o dano moral à questão da dificuldade de locomoção e da privação do contato sexual com o marido, pois isso significaria a supervalorização de um único aspecto do casamento.
Contudo, de acordo com o entendimento expresso no voto do relator, o direito da reclamante à sexualidade conjugal está compreendido nos direitos da personalidade constitucionalmente amparados, sendo viável o pedido de danos morais com base nesta justificativa. Acentuou que, embora derive do mesmo fato, a pretensão indenizatória da esposa (vítima mediata) é diferente do pedido formulado pelo marido (vítima imediata) em ação trabalhista anterior, referente a danos morais, cuja reparação já foi objeto da conciliação judicial.
Nesse sentido, conforme esclareceu o magistrado, o dano discutido no primeiro caso não é mais aquele causado ao marido da reclamante, mas sim o prejuízo causado a esta mesma, de forma indireta, cujo ressarcimento é igualmente passível de discussão. Além disso, ressaltou o desembargador que o acordo homologado posteriormente não fez desaparecer a culpa da reclamada pelo acidente, já reconhecida em juízo, no julgamento da primeira demanda. “Embora o acidente repercuta mais intensamente sobre a própria vítima, projeta seus reflexos dolorosos sobre todos que de alguma forma mantêm vínculos afetivos com ela” – finalizou o magistrado, confirmando a sentença que concedeu indenização por danos morais em ricochete à esposa do trabalhador.
Esposa de empregado que sofreu acidente do trabalho será indenizada
Em outro caso, divulgado aqui no Notícias Jurídicas em 12/12/2013, após um grave acidente, o motorista de carreta pediu o pagamento de indenização por danos morais e materiais à ex-empregadora, uma empresa de logística. A esposa dele também. E o juiz de 1º Grau deu razão parcial a ambos, sendo a decisão mantida pelo TRT mineiro, que apenas modificou a condenação no que se refere ao pensionamento mensal e plano de saúde.
O motorista conduzia a carreta carregada com uma máquina de mais de 20 toneladas, quando perdeu o controle e tombou. Ao analisar as provas, o juiz Ednaldo da Silva Lima, na titularidade da 2ª Vara do Trabalho de Varginha, não teve dúvidas de que o empregado não teve culpa no ocorrido. No acidente, a cabine do caminhão foi esmagada e o trabalhador sofreu diversas fraturas, tendo de se submeter a inúmeras cirurgias. Ele ficou total e permanentemente incapacitado para o exercício de sua atividade profissional e com sérias limitações, sem previsão de melhora, e na dependência de muletas ou cadeiras de rodas.
A condenação incluiu uma indenização por danos morais e estéticos, no valor de R$120 mil, além da pensão, manutenção do plano de saúde e ressarcimento de gastos com eventuais cirurgias e tratamentos. No caso, a esposa também teve reconhecido o direito a indenização por danos morais no valor de R$15 mil, além de R$900,00 por mês, até alta médica definitiva do marido do INSS. O fato de não ter relação jurídica com a empresa não afastou a condenação. É que os danos alegados são decorrentes do acidente sofrido pelo marido, que era empregado da ré. Justamente o chamado dano reflexo.
Na oportunidade, o juiz entendeu ser inegável que o acidente causou prejuízos de ordem material e moral à esposa do acidentado. A decisão reconheceu o sofrimento diário e direto na vida da mulher, em razão das limitações físicas geradas no marido. "Decerto que a reclamante também terá muitas limitações na vida, como consequência do acidente: não poderá se locomover livremente com seu marido, não poderá viajar adequadamente, terá privações e aumentou em muito seu dever de cuidado", destacou na sentença. Uma testemunha confirmou que a esposa se afastou dos serviços de decoradora por conta das sequelas que o acidente deixou no marido.
Por maioria de votos, a decisão foi mantida pelo TRT mineiro, que apenas limitou a condenação relativa ao pensionamento mensal ao período em que o reclamante permanecer totalmente incapacitado para o trabalho, como for decidido pela Previdência Social, e determinou a manutenção do plano de saúde, enquanto durar a suspensão do contrato.
A decisão transitou em julgado em 06.05.2013 e, já na fase de execução, as partes realizaram acordo. (00829-2012-153-03-00-1 (ED)
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