Semana das Mulheres: JT reconhece diferenças salariais de supervisora que recebia salário inferior ao do colega com mesma função
Para marcar a Semana das Mulheres, o TRT-MG traz uma coletânea de casos decididos à luz do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021, que estabelece orientações para que os julgamentos realizados considerem a igualdade e a não discriminação, especialmente no que diz respeito às questões de gênero. Em alguns casos, o número do processo foi omitido, para preservar a privacidade das pessoas envolvidas. Acompanhe!
A Lei da Igualdade Salarial, oficialmente conhecida como Lei 14.611/2023, já está em vigor desde julho de 2023. Essa lei estabelece medidas para equiparar salários entre homens e mulheres que exercem a mesma função. Ela foi criada com o objetivo de combater e eliminar as disparidades salariais baseadas em gênero e proporcionar maior segurança para as mulheres. Antes da entrada em vigor dessa lei, o TRT mineiro recebeu diversas ações trabalhistas abordando o tema. Uma delas foi julgada pelo colegiado da Primeira Turma do TRT-MG.
Os julgadores identificaram um caso de disparidade salarial injustificada entre um homem e uma mulher que exerciam funções equivalentes em uma empresa de telecomunicações de Itabira. Acompanhando o voto do desembargador relator Emerson José Alves Lage, eles reconheceram o direito da autora ao mesmo salário-base e à gratificação de função pagos ao colega a partir de 1º de março de 2018.
No caso, uma supervisora de serviços de telecomunicações alegou que estava sendo injustamente remunerada em comparação com um colega do mesmo setor. A trabalhadora informou que foi promovida para a função de supervisora em 28 de abril de 2017, com um salário de R$ 2.079,00, sem gratificação adicional pela função.
Conforme relatou a trabalhadora, no final de 2018, a empresa contratou outro empregado para o mesmo setor e função, com um salário de R$ 2.217,00, além de uma gratificação de função de R$ 886,80. A trabalhadora alegou que ambos desempenhavam as mesmas atividades, o que tornava a diferença salarial injustificada.
A empresa defendeu-se afirmando que o empregado contratado ocupava uma função de confiança, responsável pela supervisão da equipe operacional, enquanto a reclamante supervisionava a equipe de atendimento ao cliente, com atividades distintas das desempenhadas pelo colega. Além disso, a empresa argumentou que o supervisor, devido à sua função de confiança, não tinha sua jornada controlada, ao contrário da reclamante, que registrava os horários de trabalho.
No entanto, o desembargador frisou que a liberação do controle de jornada é opção administrativa da empresa e, por si só, não justifica a diferenciação salarial. “Ressalto que não há qualquer incompatibilidade entre o pedido de horas extras e o pedido de diferenças salariais. As horas extras têm por fundamento o labor extraordinário e o pedido de diferenças salariais relaciona-se a ofensa do princípio da isonomia. Se a autora, exercente de cargo de confiança, estava sujeita a controle de jornada (por opção da ré), faz jus ao pagamento das horas extras devidas, independentemente do direito à percepção da gratificação de função”, completou.
O relator observou que a trabalhadora embasou sua reivindicação exclusivamente no princípio da isonomia, sem buscar a equiparação salarial. O princípio da isonomia, consagrado na Constituição da República, não proíbe o tratamento diferenciado, mas apenas a diferenciação infundada, que se traduz em discriminação.
“Considerando o princípio constitucional da isonomia, trabalhadores que exerçam a mesma função devem ser remunerados de forma idêntica. Aqui, repita-se, não se trata de pedido de equiparação salarial, sendo dispensada a demonstração dos requisitos previstos pelo art. 461 da CLT. Assim, ainda que as atividades exercidas pela autora e paradigma fossem distintas, pois supervisionavam equipes diferentes, ambos exerciam o cargo de supervisores, com maiores responsabilidades. Não há justificativa, portanto, para que a ré considerasse que apenas o paradigma exercia cargo de confiança”, concluiu o julgador.
Em seu voto, o relator entendeu que ficou demonstrada a ausência de critérios da empresa para a concessão da gratificação de função aos empregados que exercem a função de supervisor, especialmente em relação ao trabalhador apontado como modelo pela reclamante, vinculado ao mesmo setor dela.
“Diante do contexto descrito, no período contratual a partir de 1º/03/2018, não há qualquer justificativa plausível para o tratamento diferenciado entre paradigma e autora, que exerciam a função de supervisores de serviço de telecomunicações, tratando-se de procedimento discriminatório não tolerado pelo texto constitucional (art. 5º, caput, e art. 7º, XXX e XXXI), tampouco pela CLT (art.460)”, finalizou.
Com base nesse entendimento, os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG confirmaram a sentença que condenou a empresa a pagar à reclamante as diferenças salariais, compreendidas como as diferenças entre o salário-base e a gratificação de função pagas ao colega de trabalho, mês a mês, a partir de 1º de março de 2018 até a dispensa da autora. Essas diferenças salariais terão reflexos em aviso-prévio, 13º salários, férias + 1/3, horas extras pagas e, de tudo, em FGTS + 40%.
Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero
A supervisora relatou também que a dispensa dela foi discriminatória. O desembargador registrou a discriminação de gênero na empresa, que ficou evidenciada nos relatos da prova oral, cujo conteúdo revela as preferências de oportunidades conferidas na área operacional para os empregados do sexo masculino (a autora era a única mulher na área operacional). No entender do relator, isso demonstra a conduta discriminatória no local de trabalho, o que é também um agregador de estresse e ambiente de trabalho sem eficácia dos direitos fundamentais. Nesse contexto, o magistrado entendeu que a dispensa foi discriminatória, nos termos da Lei 9.099/1995.
Ao aplicar o julgamento pela perspectiva de gênero, o relator observou que ganharam força os depoimentos da trabalhadora e de testemunhas, que sempre ouviram essa afirmação recorrente de um dos proprietários da empresa: "mulher não entende de internet, não entende de fibra ótica". “Ora, em pleno século 21, esse tipo de afirmação chega a ser constrangedora face ao texto constitucional, às Convenções Internacionais sobre igualdade de gênero e à eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais”, ponderou o julgador. Assim, o relator declarou nula a dispensa e condenou a empresa ao pagamento das parcelas pertinentes.