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Agente de saneamento demitido após furto de hidrômetros da Copasa consegue reintegração provando dependência de crack

publicado: 07/07/2017 às 00h02 | modificado: 06/07/2017 às 01h04
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A OMS - Organização Mundial de Saúde reconheceu a gravidade do problema da dependência química, qualificando-a como doença (transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e de outras substâncias psicoativas), inclusive advinda do uso de cocaína e seus derivados. Foi o que ponderou a juíza Ana Carolina Simões Silveira, titular da Vara do Trabalho de Almenara, ao dar razão a um dependente químico de drogas (crack) que buscou na Justiça do Trabalho a anulação de sua dispensa por justa causa e consequente reintegração ao emprego, como resultado do reconhecimento da sua incapacidade para o trabalho.

Conforme constatou a magistrada, o trabalhador foi admitido como agente de saneamento pela Copasa em 06/08/2009, após aprovação em concurso público. Mas desde o ano de 2010 ele foi acometido por um quadro de dependência química, do qual a empregadora tinha pleno conhecimento desde então. A própria Copasa admitiu expressamente ter tentado várias vezes recuperar o empregado de seus vícios e compulsões, incluindo-o em um programa de prevenção contra uso de álcool e drogas. Os relatórios emitidos por esse programa demonstram que ele foi diagnosticado em maio de 2010, passando por várias internações para se livrar do vício em álcool e crack, sem sucesso no tratamento.

É de conhecimento comum que o crack, uma das drogas consumidas pelo reclamante, é um subproduto da cocaína extremamente nocivo à saúde humana, com alto poder viciante, uma vez que seus efeitos excitantes são de curta duração, fazendo com que o usuário busque incessantemente a repetição do uso para manter seus efeitos, não importa o que precise fazer para conseguir a “pedra”, estando seu uso associado à prática de todo tipo de crime (prostituição, furtos, roubos, latrocínios, sequestros, etc), retirando do indivíduo, além de sua saúde física e mental, a sua dignidade, deixando em torno de si um rastro de destruição com efeitos nefastos em todas as esferas da sociedade”, registrou a julgadora, que não teve dúvidas quanto ao fato de o trabalhador ser portador de doença crônica grave (dependência química de substâncias psicoativas) que exige tratamento constante.

Por outro lado, a magistrada também constatou que, além de muitas outras faltas menos graves cometidas pelo agente sanitário durante o contrato - como ausências não justificadas ou utilização de equipamentos da empresa sem autorização - ele confessou ter furtado diversos hidrômetros da empregadora.

Entretanto, na visão da julgadora, todas essas faltas cometidas não validam a justa causa aplicada pela empregadora, levando em consideração o contexto psíquico em que se encontrava o agente sanitário, qual seja, de dependência química de drogas pesadas. Isso porque não seria plausível imputar ao trabalhador dolo ou culpa pela prática das faltas, levando em conta que as drogas retiram do usuário a capacidade de discernimento, alijando-o de sua própria vontade já no início do vício. Inclusive, poucos dias antes da dispensa, a dependência química do trabalhador foi novamente atestada por um médico psiquiátrica, que esclareceu que ele não aderiu ao tratamento ambulatorial, solicitando internação em clínica especializada e prescrevendo forte medicação, o que demonstra a gravidade do quadro por ocasião da dispensa.

Diante desse cenário, e considerando a extrema vulnerabilidade em que se encontrava o trabalhador, a julgadora concluiu que a solução seria o seu encaminhamento ao INSS para tratamento. E, caso constatada a irreversibilidade da condição do trabalhador, a solução seria a aposentadoria por invalidez, sendo inaceitável, aos olhos da juíza, a punição de um empregado com a pena máxima nesta condição de saúde, quando mais necessita de amparo. Entendimento contrário, segundo ponderou, afrontaria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, da função social da empresa e da proteção à saúde. Ressaltou a juíza que esses princípios prevalecem sobre o direito do empregador de dispensar, ainda que por justa causa.

Por essas razões, a julgadora condenou a empresa a reintegrar o trabalhador ao emprego, cancelar a baixa na carteira de trabalho, mantidas as condições contratuais anteriores à dispensa, e a pagar as parcelas devidas (salários vencidos e vincendos, férias com 1/3, 13os. salários, PLR e FGTS, com observância dos reajustes salariais concedidos no período aos demais empregados.

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