Auxílio-doença não impede justa causa por falta cometida anteriormente
A 2ª Turma do TRT-MG confirmou a sentença que reconheceu a justa causa aplicada a um carteiro que violou e se apropriou de encomendas postais. Com base no voto do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, os julgadores consideraram a situação como improbidade, mau procedimento e indisciplina, nos termos do artigo 482 da CLT.
Em seu recurso, o trabalhador insistia em que o processo administrativo instaurado pela empresa não poderia ser considerado válido. Isto porque, à época, ele estava afastado, em tratamento de doença psiquiátrica, provocada pelo alcoolismo, ficando impedido de exercer o direito ao contraditório e à ampla defesa. Mas o relator não lhe deu razão.
É que, em declaração prestada na sindicância aberta pela empresa, o próprio empregado confessou ter violado encomendas e se apropriado dos conteúdos, incluindo um aparelho de celular. Ele reconheceu ter conhecimento das normas internas da empresa quanto ao manuseio e transporte dos objetos.
Na avaliação do relator, o fato é grave o suficiente para justificar a dispensa por justa causa, tratando-se inclusive de ilícito penal. Além disso, considerou que a alegada doença não ficou provada, uma vez que a perícia médica apurou a normalidade do quadro psiquiátrico, concluindo não haver redução da capacidade de trabalho. Uma perícia do INSS realizada quando o trabalhador estava no hospital reforçou a conclusão do julgador.
A decisão chamou a atenção para o fato de o próprio trabalhador ter reconhecido ser portador de alcoolismo desde os 13 anos de idade. Desse modo, o relator ponderou que as faltas não poderiam ser atreladas à condição. O funcionário também confessou não ter informado ao empregador sobre sua dependência alcoólica. A empresa somente tomou conhecimento do fato após a transgressão. E a única testemunha ouvida disse nunca ter percebido odor de álcool no reclamante.
Na visão do relator, a impossibilidade de apresentação de defesa no processo administrativo não ficou demonstrada de forma cabal. E mesmo que se considere ter havido prejuízo no direito ao contraditório e à ampla defesa, ele entendeu inequívoca a gravidade dos fatos que levaram à instauração do processo administrativo. Para o julgador, esse contexto suplanta eventual nulidade no procedimento adotado para apuração dos fatos. “O próprio reclamante confessa que apropriou indevidamente de 04 encomendas postais, o que, sem dúvida, compromete a confiança entre as partes, caracterizando falta grave capaz de ensejar a aplicação da pena capital da dispensa por justa causa”, registrou.
Quanto ao fato de o funcionário estar em gozo de auxílio-doença na data da dispensa por justa causa, explicou que a SDI-I do TST já admitiu a possibilidade de dispensa de empregado por justa causa no curso de benefício previdenciário, por falta cometida anteriormente. O TST entendeu que, cessada a confiança entre as partes, compromete-se importante pilar da contratação, justificando-se a dispensa:
DISPENSA DO EMPREGADO POR JUSTA CAUSA NO CURSO DO AUXÍLIO-DOENÇA - FALTA COMETIDA EM PERÍODO ANTERIOR À FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO - POSSIBILIDADE. Nos termos do artigo 476 da Consolidação das Leis do Trabalho, o empregado que se encontra em gozo de auxílio-doença está em licença não remunerada, efeito verificado a partir do 16º dia de afastamento, segundo a legislação previdenciária -, vale dizer, está com seu contrato de trabalho suspenso. A suspensão do contrato de trabalho desobriga o empregador, tão somente, quanto às verbas decorrentes diretamente da prestação de serviços, ou seja, quanto às obrigações principais. As obrigações contratuais acessórias permanecem incólumes, como, por exemplo, benefícios voluntariamente concedidos ao empregado, moradia, seguro saúde, etc. É o que se infere de uma análise conjunta dos artigos 471, 476, e 476-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho e 63, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91 e, ainda, da Súmula/TST nº 440. Referidos benefícios não decorrem da prestação de serviços, mas diretamente do contrato de emprego. E nessa hipótese, as normas legais não preveem que empregados eventualmente afastados da empresa, por gozo de benefício previdenciário, deixarão de gozar dos referidos direitos.
Não obstante a ausência de eficácia das principais cláusulas contratuais no período de suspensão do contrato de trabalho, ainda prevalecem, nesse interregno, os princípios norteadores da relação empregatícia, tais como: lealdade, boa fé, fidúcia, confiança recíproca, honestidade, etc. Incontroverso nos autos que a dispensa do recorrido se deu por justa causa. Assim, é de se concluir que o poder potestativo de rescindir o contrato de trabalho não deve ser afetado por esta suspensão de eficácia. Seria uma incoerência se reconhecer uma justa causa e, por conta da suspensão do contrato de trabalho, obrigar o empregador a continuar a pagar obrigações contratuais acessórias. Quando a confiança entre as partes é quebrada, há sério comprometimento de importante pilar da contratação, sendo irrelevante que os fatos ensejadores dessa quebra tenham ocorrido antes ou durante o período de afastamento do empregado, porque a fixação de tal marco não vai restaurar a confiança abalada.
Portanto, não há que se falar em concretização dos efeitos da demissão por justa causa após o término do período da suspensão do contrato. Estando comprovada a justa causa, a suspensão do contrato de trabalho não se revela como motivo capaz de impedir a rescisão do contrato de trabalho de imediato. Recurso de embargos conhecido e provido. (RR-4895000-38.2002.5.04.0900, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, 02/06/2016).
Nesse contexto, a Turma negou provimento ao recurso do trabalhador, mantendo a decisão que concluiu pela validade da dispensa por justa causa aplicada a ele. Como consequência, os pedidos de indenização por danos morais e honorários advocatícios foram rejeitados.