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Médico que prestava serviços em hospital municipal como pessoa jurídica não tem reconhecido vínculo de emprego

publicado: 03/05/2021 às 05h34 | modificado: 03/05/2021 às 05h38
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Julgadores da Quinta Turma do TRT de Minas, por unanimidade, mantiveram sentença que negou o vínculo de emprego pretendido por um médico que prestava serviços, como pessoa jurídica, ao Hospital Municipal São Judas Tadeu, em Ribeirão das Neves. Para o desembargador Manoel Barbosa da Silva, que atuou como relator do recurso do trabalhador e cujo entendimento foi acolhido pelos demais membros da Turma, não houve fraude na contratação do profissional como pessoa jurídica (PJ), sem a presença dos requisitos da relação de emprego, o que, inclusive, foi financeiramente vantajoso para ele.

Em seu voto condutor, o relator observou que não houve qualquer vício na contratação do profissional, que prestou serviços como plantonista ao hospital por intermédio de empresa gestora de saúde pública e privada, responsável pelos repasses financeiros ao município para o pagamento do profissional. “A anulação de um negócio jurídico exige prova de erro, dolo, coação ou fraude na sua realização e no presente caso não existe prova desses vícios. Diante do grau de escolaridade do contratado e da considerável contraprestação paga, não há como reconhecer a relação de emprego entre as partes”, destacou o desembargador, na decisão.

Entenda o caso – A contratação do médico foi feita diretamente pela empresa gestora, que venceu licitação realizada pela Instituição de Cooperação Intermunicipal do Médio Paraopeba – ICISMEP, um consórcio que reúne mais de 30 municípios, incluindo o de Ribeirão da Neves. Foi por meio da empresa de gestão que o reclamante prestou serviços ao Hospital São Judas Tadeu, o qual pertence ao município de Ribeirão das Neves. A contratação incluía seis plantões semanais de 12 horas, sendo dois fixos, mediante contraprestação de R$ 1.100,00 por plantão e uma contraprestação mensal fixa de R$ 26.400,00. Na ação que ajuizou contra a empresa gestora e o consórcio intermunicipal, o médico pretendia o reconhecimento da relação de emprego com a empresa gestora, alegando que a constituição de firma individual foi condição imposta para sua contratação, embora tenha desenvolvido suas atividades com a presença dos pressupostos da relação de emprego (pessoalidade, onerosidade, subordinação e habitualidade). Pediu também a condenação subsidiária do ICISMEP pelos créditos trabalhistas decorrentes da relação de emprego. 

A empresa gestora se defendeu alegando que atuou apenas como intermediária na prestação de serviços dos médicos ao hospital municipal e repassadora da contraprestação ajustada. Sentença do juízo da Vara do Trabalho de Ribeirão das Neves-MG não reconheceu fraude na contratação do profissional por meio da pessoa jurídica, entendimento que foi mantido pelo colegiado de segundo grau, que negou provimento ao recurso do médico.

Desrespeito à Constituição – No voto, o relator ressaltou que, por se tratar de hospital público municipal, a prestação de serviços do autor deveria ter sido precedida de aprovação em concurso público de amplo recrutamento, como determina o inciso II do artigo 37 da Constituição, o que, entretanto, não ocorreu. “Criou-se o imbróglio, embora previsto em lei, envolvendo o consórcio de municípios representado pela segunda reclamada, Instituição de Cooperação Intermunicipal do Médio Paraopeba, e esta promoveu a licitação vencida pela primeira reclamada, para a contratação de médicos para atuar no serviço público de saúde, entre eles o reclamante, mediante uma pessoa jurídica”, destacou o relator.

Inexistência de fraude na contratação como PJ - Segundo o acórdão, a ilegalidade nesse tipo de contratação exige prova segura do intuito do tomador do serviço em burlar as normas de proteção ao trabalho assalariado previstas na Consolidação das Leis do Trabalho, o que, no caso, não se verificou. Nesse sentido, chamou a atenção do desembargador o fato de a contração na forma em que realizada ter sido financeiramente vantajosa para o autor, tendo em vista o elevado valor da contraprestação ajustada: “Trata-se de profissional especializado, demasiadamente esclarecido, contratado para prestar serviços ao município de Ribeirão das Neves, sem prestar concurso público, mediante uma contraprestação mensal de R$ 26.400,00, conforme consta da petição inicial, enquanto o salário profissional dos médicos, para uma jornada de duas a quatro horas, correspondente a três vezes o salário mínimo, previsto no artigo 5° da Lei n° 3.999/1961, era de R$ 2.640,00, época da celebração do contrato, considerando salário mínimo de R$ 880,00 no ano de 2016.” – pontuou.

De acordo com o desembargador, por se tratar de profissional médico, é intrínseca a pessoalidade na prestação dos serviços, assim como a contraprestação e obrigação de cumprir os plantões ajustados, circunstâncias que não bastam para caracterizar a relação de emprego, por não se tratar de um trabalhador hipossuficiente. Sobre a obrigação de cumprir os plantões contratados, explicou o julgador que isso não revela a subordinação peculiar ao contrato de trabalho, mas apenas a obrigação de entregar o serviço contratado de atendimento médico. “Trata-se de obrigação de resultado, prevista no direito civil”, registrou o relator.

O fato de o próprio autor ter reconhecido, em depoimento, que poderia trocar os dois plantões fixos por semana com o pessoal da escala, por iniciativa própria, foi considerado pelo julgador como mais um elemento revelador da inexistência da subordinação jurídica exigida no contrato de emprego.

Contribuiu para o afastamento da relação de emprego o fato de a contratação, por meio da empresa gestora, ter se mostrado mais vantajosa para o profissional do que a contratação direta pelo município de Ribeirão das Neves, seja pelo maior valor da contraprestação, seja pela maior flexibilização para o cumprimento dos plantões. Foi o que se extraiu do relato de uma testemunha.

 “A reforma de uma decisão judicial exige prova e convencimento de erro do seu prolator na interpretação da lei ou na valoração da prova dos autos. E, no presente caso, não vislumbro nenhuma dessas hipóteses”, concluiu o relator. Ele frisou que a anulação de um negócio jurídico exige prova de erro, dolo, coação ou fraude na sua realização, vícios que não estiveram presentes no caso.

Processo

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