Concessionária é condenada por obrigar vendedora a dirigir na ¿rodovia da morte¿
Os casos de acidentes sofridos por empregados durante viagens a serviço do empregador aparecem com bastante freqüência nos processos julgados pelo Judiciário trabalhista mineiro. Um desses processos foi analisado pela juíza Maritza Eliane Isidoro, titular da 3ª Vara do Trabalho de Coronel Fabriciano. No caso, a vendedora de veículos foi contratada para trabalhar na cidade de Ipatinga, mas, após cumprir sua jornada normal de trabalho, foi convocada levar o veículo que seria entregue a um cliente em Governador Valadares. Entretanto, a vendedora não conseguiu chegar ao destino. No meio do caminho, na BR-381, ocorreu um grave acidente, que resultou na morte da vítima. A ação foi proposta pelo pai e pela irmã da empregada falecida, pedindo reparação pelos danos morais sofridos por eles próprios, em decorrência do falecimento prematuro do ente querido.
Chamou a atenção da magistrada o fato de os colegas de trabalho e superiores hierárquicos saberem que a falecida não tinha condições psicológicas de dirigir naquele dia. É que, na véspera do acidente, a vendedora recebeu a notícia de que sua mãe, portadora de câncer, teria apenas mais seis meses de vida. Segundo relatos das testemunhas, diante da notícia ela ficou transtornada, teve insônia, passou o dia sem se alimentar e teve uma crise de choro no trabalho. Foi nesse estado, visivelmente abalada, que a ex-empregada iniciou a sua viagem noturna, depois de quase 10 horas de trabalho. Em sua defesa, a concessionária argumentou que a vítima foi contratada para exercer a função de vendedora, sendo que dirigir veículos era uma das atividades inerentes à sua função, seja para demonstrá-los aos clientes ou para entregá-los. Acrescentou ainda a concessionária que a ex-empregada era habilitada para conduzir qualquer carro disponível para venda na empresa e que o quadro de fadiga apresentado no dia anterior não pode ser levado em conta na análise do caso, por se tratar de situação alheia ao contrato de trabalho.
De acordo com os depoimentos das testemunhas, faz parte da função de vendedor a entrega de veículos vendidos aos clientes, mas, normalmente, esta entrega é feita durante o horário de trabalho e não após quase 10 horas de prestação de serviços, em viagem noturna. Examinando a documentação juntada ao processo, a magistrada constatou que a falecida não tinha experiência nem como vendedora, nem como motorista, pois, além de não possuir carro próprio, sua principal função era realizada nas dependências da empresa, sendo, portanto, esporádico o trabalho externo. No mais, ela tinha apenas dois meses de trabalho na concessionária. Assim, no entender da julgadora, não se pode afirmar que a ex-empregada tenha dirigido com habitualidade, de modo a ser considerada ¿experiente¿.
Para a juíza, ficou também evidenciado que ocorreu desvio de função, pois a concessionária não poderia exigir que uma vendedora prestasse serviços como motorista. Pelo que normalmente acontece, o vendedor tem que entregar o veículo ao comprador, porém, dentro da própria concessionária, onde o cliente vai buscar o carro e recebe do vendedor todas as explicações técnicas sobre o veículo. Conforme ponderou a julgadora, se a concessionária queria oferecer o serviço de entrega em domicílio a seus clientes, deveria ter contratado motoristas para esse fim: ¿Se a reclamada quer mesmo oferecer ¿qualidade¿ em seus serviços, que comece por não exigir labor extraordinário de seus empregados, sobretudo, à noite e que contrate motoristas, para entregar seus veículos aos clientes, ao invés de desviar os vendedores de sua função¿, ressaltou, ¿Até porque, enquanto estiverem dirigindo, sobretudo, viajando, estarão perdendo vendas e, consequentemente, as comissões que incidiriam sobre estas vendas¿ ¿ concluiu a juíza sentenciante, condenando a concessionária ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$200.000,00, sendo metade para cada reclamante. O TRT-MG manteve a condenação, apenas excluindo a cota parte da irmã da vendedora falecida.