Empresa deverá indenizar eletricista que perdeu os braços ao receber descarga elétrica
Os processos analisados pelo Judiciário trabalhista mineiro denunciam o alto índice de acidentes de trabalho envolvendo eletricidade, ocasionados, em sua maioria, pela negligência de empregadores para com a segurança no trabalho, resultando em morte ou mutilações de trabalhadores jovens. Um desses processos foi julgado na 2ª Vara do Trabalho de João Monlevade. O fator que mais influenciou na decisão do juiz titular Newton Gomes Godinho foi a imagem de um homem que, com apenas 34 anos de idade, foi vítima de lesões gravíssimas, devido ao descuido de seus superiores hierárquicos, resultando em mutilação que o marcará por toda a vida. Manifestando suas primeiras impressões diante das fotografias do reclamante com os dois braços amputados, o magistrado citou, em sua sentença, o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade: ¿Para lembrar o Poeta, aquele que, mais que o ouro e o minério, melhor luziu na terra itabirana, o que ali se vê não é apenas retrato na parede. É uma dura realidade. E como dói... ¿.
Pelo que foi apurado no processo, o reclamante prestou serviços à Vale, através de empresa intermediadora de mão-de-obra, exercendo a função de eletricista, em trabalhos de manutenção de rede elétrica ao longo da rede ferroviária. Na operação em que ocorreu o acidente, seriam substituídas três chaves-faca e a manutenção seria feita em três postes que estavam com transformadores. Quando o fiscal da Vale autorizou o início da tarefa, os três postes com transformadores estavam energizados. O fiscal deveria ter o cuidado de observar se todos os alimentadores de energia estavam realmente desligados, o que não foi feito. O encarregado da empresa prestadora de serviços, ouvido como informante, reiterou que a responsabilidade de desligar os alimentadores de energia era dos fiscais da Vale.
Por causa dessa falha da empresa, o reclamante recebeu uma descarga elétrica ao tocar na bucha do transformador. Em consequência do acidente de trabalho, ele sofreu amputação dos antebraços até o nível dos cotovelos. De acordo com as conclusões do laudo pericial, o eletricista encontra-se inválido e dependente de terceiros para realizar atividades básicas à sua sobrevivência. As sequelas funcionais e o dano estético são gravíssimos, restando à vítima a utilização de prótese para tentar recuperar-lhe parte das funções de seus braços e da estética. Conforme apurou o perito, devido à gravidade do acidente, o reclamante apresenta invalidez total e permanente.
Com base nas provas analisadas, o juiz excluiu a responsabilidade da empresa prestadora de serviços. Isso porque ficou comprovada a responsabilidade exclusiva da Vale, que, apesar de não ser a real empregadora do eletricista, assumiu o comando decisivo da operação que o vitimou e agiu culposamente, em virtude da falha de seus fiscais. Por isso, atentando para a extensão das lesões, para a culpa apurada e para o gigantesco porte da empresa causadora do dano, o juiz sentenciante condenou a Vale ao pagamento de uma indenização por danos morais, fixada em R$300.000,00, além de outra indenização, também no valor de R$300.000,00, em decorrência de danos estéticos. A condenação inclui ainda o pagamento de uma indenização fixada em R$224.111,40, em parcela única, calculada com base no que o reclamante deixou e deixará de ganhar, desde a data do acidente até o dia em que completará 65 anos de idade. A Vale deverá arcar com os custos de implantação das próteses, com seus acessórios, totalizando o valor de R$282.500,00, além da manutenção periódica do aparelho.
Ao finalizar, o magistrado expressou o seu sentimento de pesar diante do sofrimento do trabalhador, declarando que: ¿Este Juiz, no silêncio e na solidão da madrugada em que escreve, lamenta ter proferido esta decisão, depois de tudo fazer para que tudo se resolvesse pela via do entendimento entre as partes. Frustrada a missão conciliatória, cumpriu-se o dever de julgar, mas é preciso deixar registrado, diante de um homem sem braços, para reflexão de todos, que, nestes autos, a conciliação se impunha, como puro e simples dever social¿ .