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Polêmica sobre adesão do Brasil à Convenção 158 da OIT se reflete em ações julgadas na JT

publicado: 23/06/2010 às 03h09 | modificado: 23/06/2010 às 06h09
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Atualmente, as reclamações trabalhistas ajuizadas na Justiça do Trabalho tratam mais de relações de emprego já extintas do que de relações de emprego em curso. A legislação trabalhista atual autoriza o empregador a dispensar trabalhadores sem justa causa, mediante o pagamento das parcelas devidas. Na prática, isso significa que a empresa dispensa quem quiser e por qualquer razão, bastando não indicá-la quando se tratar de razão proibida por lei. Mas, na década de 90, houve uma tentativa de reverter esse quadro. Em 1995, o Brasil ratificou a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi promulgada pelo Decreto 1.855/96. Ela proíbe que um trabalhador seja demitido sem motivo razoável relacionado à sua conduta, a sua capacidade profissional ou a necessidades estruturais da empresa. De acordo com essa Convenção internacional, nos casos de dispensa em massa por alegada necessidade econômica da empresa, o Judiciário poderá examinar se essa necessidade realmente existe e se a dispensa de trabalhadores é de fato necessária. Se concluir que não é o caso, poderá, igualmente, reintegrar os trabalhadores dispensados.

Entretanto, a Convenção 158 da OIT não chegou a ser aplicada no Brasil. Isso porque o Judiciário a declarou incompatível com a Constituição, em virtude de um detalhe técnico: os tratados internacionais têm, no Brasil, status de lei ordinária, ao passo que a Constituição prevê que a proteção ao trabalhador contra a dispensa sem justa causa deve ser regulada em lei complementar. Em 1996, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, decidiu, através do Decreto 2.100/96, denunciar a Convenção 158, ou seja, ele revogou a adesão do Brasil à Convenção 158 da OIT. A partir desse acontecimento, surgiram muitas discussões acerca da constitucionalidade dessa revogação, ao argumento de que algumas formalidades não foram observadas. É que a ratificação de uma convenção internacional exige a observância de alguns procedimentos especiais. Para valer, a convenção tem que ser aprovada pelo Congresso Nacional, o que pode levar anos ou simplesmente não ocorrer. Se for aprovada, ela volta ao presidente, que poderá sancioná-la, isto é, transformá-la em lei, ou vetá-la, caso em que ela volta ao Congresso, ou simplesmente deixá-la mais alguns anos na gaveta. Mesmo sancionada, sua aplicação dependerá da Justiça.

A denúncia de uma convenção também exige algumas formalidades. Nesse sentido, o texto da própria Convenção 158 prevê a possibilidade, a cada 10 anos, contados da data em que passou a ter vigência internacional e por um período de 12 meses, de um país signatário denunciar a Convenção, deixando de cumprir seus dispositivos. Se não o fizer neste prazo, o país signatário fica obrigado a cumprir a Convenção por mais 10 anos. A grande polêmica que envolve essa questão diz respeito à possibilidade de ocorrer a denúncia da Convenção 158 por ato isolado do Presidente da República.

O juiz José Quintella de Carvalho, titular da 1ª Vara do Trabalho de Congonhas, julgou uma ação civil pública que versava sobre a matéria, ajuizada pelo sindicato representante dos trabalhadores na indústria de extração mineral de Congonhas e região contra a Companhia Siderúrgica Nacional. Protestando contra a dispensa em massa de empregados da reclamada, o sindicato autor reivindicou a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96, bem como a condenação da empresa na obrigação de assegurar a todos os seus empregados a proteção contra a dispensa sem justa causa. Sustentou o sindicato autor que houve irregularidades no ato de denúncia da Convenção 158, uma vez que, segundo a sua tese, é inválida a revogação da Convenção por ato unilateral do Presidente da República.

Para solucionar a questão, o juiz fez uma análise das regras de competência contidas nos artigos 49, I, e 84, VIII, da Constituição. Em sua sentença, ele explicou que o artigo 84 dispõe sobre a competência privativa do Presidente da República. Conforme esclareceu o magistrado, no Brasil, a ratificação se dá por ato conjunto do chefe do Poder Executivo e do Congresso Nacional. Desse modo, o artigo 84, VIII, atribui ao Presidente da República a competência para praticar todos os atos inerentes à celebração de tratados, convenções e atos internacionais, exigindo-se a participação do Congresso Nacional somente para referendar o conteúdo da contratação. Já o artigo 49, I, não modifica as atribuições formais do Presidente da República, bem como a sua iniciativa nas negociações, porém amplia o poder do Congresso ao estabelecer que é da competência exclusiva do Congresso Nacional "resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional" .

Na interpretação do magistrado, o artigo 49, I, da Constituição, não se aplica aos atos de ratificação da Convenção n° 158 da OIT, tendo em vista que essa norma internacional disciplina relações de direito privado entre empregadores e empregados, as quais não envolvem situações que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, única circunstância que atrai a aplicação do artigo 49, I. Portanto, concluiu o juiz que, uma vez afastada a regra especial, deve ser aplicada ao caso a regra geral, segundo a qual o Congresso não delibera em caráter definitivo. Observou o magistrado que, no texto do decreto legislativo que aprovou a Convenção 158, ficou estabelecido que o tema só deve retornar ao Congresso em caso de modificações. Como não houve alterações no conteúdo da Convenção, o juiz entendeu que estava encerrada a participação do Congresso Nacional.

Nesse contexto, o julgador considerou válido o ato de denúncia da Convenção 158, ocorrido durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e, em conseqüência, declarou a constitucionalidade do Decreto 2.100/96. Por esses fundamentos, o juiz sentenciante não analisou os demais pedidos formulados pelo sindicato autor, uma vez que o pedido principal tinha como base a declaração da inconstitucionalidade do ato presidencial.

Entretanto, tudo indica que a história da Convenção 158 no Brasil ainda está longe do seu fim. No dia 14 de fevereiro de 2008, o presidente Lula reacendeu a discussão sobre a matéria, ao encaminhar à Câmara a Mensagem 59/08, que submete novamente à apreciação do Congresso Nacional o texto da Convenção. Portanto, o debate sobre o tema continua em aberto.

Processo

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