JT reconhece vínculo entre autarquia estadual e bilheteiro contratado sem concurso
A Justiça do Trabalho mineira tem recebido um número expressivo de ações contendo pedidos baseados na declaração da existência de relação empregatícia entre trabalhadores e entes públicos, estabelecida em data anterior à Constituição vigente. A atual Constituição estabelece que as pessoas só poderão ingressar no serviço público mediante aprovação em concurso público. Mas, por outro lado, existem também os casos que se enquadram na regra do artigo 19, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Essa norma permite a contratação, sem concurso público, antes de 05/10/1988 (data em que a atual Constituição entrou em vigor), com o reconhecimento de estabilidade aos servidores, cujo tempo de serviço seja de, no mínimo, cinco anos continuados, contados retroativamente. Um desses casos foi analisado pela juíza substituta Gilmara Delourdes Peixoto de Melo, em sua atuação na 23ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
O trabalhador relatou que foi contratado em 1981 pela ADEMG (Administração dos Estádios de Minas Gerais), na função de bilheteiro, para prestar serviços nos estádios do Mineirão e Mineirinho, nos dias de eventos esportivos, culturais, artísticos e religiosos, nos quais houvesse a comercialização de ingressos. Embora não prestasse serviços autônomos, o bilheteiro recebia seu pagamento por dia trabalhado, mediante RPA (Recibo de Pagamento a Autônomo). Para negar a existência de vínculo, a autarquia estadual utilizou como principais argumentos o fato de a venda de ingressos ser esporádica, o que caracterizaria trabalho eventual, e o fato de o bilheteiro não ser concursado. Por isso, diante da ausência do indispensável concurso público, a reclamada entende que ele só poderia exercer suas atividades como autônomo. Entretanto, a partir da análise do conjunto de provas, a julgadora identificou, no caso, a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego.
A farta prova documental juntada ao processo demonstrou que o bilheteiro trabalhava habitualmente nos dias em que havia eventos, de acordo com o calendário dos estádios administrados pela autarquia. Havia alguns meses de trabalho mais intenso. Já em outros períodos, havia intervalos maiores entre os eventos. Mas, conforme frisou a magistrada, esses intervalos nem faziam tanta diferença, se for considerado um contexto de quase 30 anos de prestação de serviços. O requisito da subordinação foi facilmente identificado no caso pela julgadora, tendo em vista que o trabalho do bilheteiro está inserido na atividade econômica da autarquia. Nesse aspecto, acentuou a magistrada que a venda de ingressos é a razão de ser, a atividade essencial da ADEMG, que necessita da renda correspondente para a própria manutenção dos bens públicos sob sua gestão. O requisito da pessoalidade se faz presente, segundo a juíza, por causa dos longos anos de serviços que o trabalhador prestou à instituição, sem se fazer substituir. E esses 25 anos de serviços prestados foram remunerados, ainda que por meio de RPA. Esse documento, no entender da julgadora, não passou de mero artifício usado pela autarquia para camuflar a natureza salarial do pagamento. Mas, conforme reiterou a magistrada, o que importa é a realidade do contrato.
Em relação à contratação do bilheteiro sem concurso, a juíza lembra que o artigo 19, do ADCT, da Constituição, reconheceu a estabilidade dos servidores contratados pelos entes da administração pública direta e indireta, há mais de cinco anos continuados anteriores a 05/10/1988. Desta forma, como observa a magistrada, os servidores admitidos nas condições descritas na norma são considerados estáveis. Por esses fundamentos, a juíza sentenciante reconheceu o vínculo de emprego entre as partes, desde 1981, e condenou a autarquia e o Estado de Minas Gerais, este último de forma subsidiária, ao pagamento das verbas rescisórias correspondentes ao período não prescrito. A condenação foi mantida pelo TRT de Minas.