Juiz reconhece responsabilidade de consórcio até que empregado doente complete prazo para receber auxílio-doença
O que fazer quando um empregado adoece, mas não possui o número de contribuições exigidas pela Previdência Social para receber auxílio-doença? Um caso assim foi analisado pelo Juiz André Figueiredo Dutra, titular da Vara do Trabalho de Araçuaí. Pela letra fria da lei, o trabalhador não teria direito a nada. Mas o magistrado, ponderando com razoabilidade e sensibilidade, encontrou uma solução para o impasse: condenar o reclamado, um consórcio formado por duas grandes empresas de engenharia, a ajudar o empregado, um soldador, a adquirir o direito ao benefício previdenciário. Seguindo essa linha de raciocínio, o julgador condenou a empresa a pagar ao trabalhador os salários mensais retroativos até que o tempo de carência fixado na lei previdenciária fosse alcançado.
No caso, o soldador foi acometido de encefalite aguda virótica cerca de 40 dias depois da admissão. A doença, não relacionada ao trabalho, gerou graves sequelas: ele ficou total e permanentemente inválido, com quadro clínico de hipertensão, surdez, vertigem crônica, confusão mental e diabetes, sendo inclusive interditado judicialmente. O contrato foi suspenso em razão da enfermidade, mas o auxílio-doença foi negado porque o reclamante havia perdido sua condição de segurado antes de ser admitido pelo consórcio. Depois da enfermidade, não recebeu mais nada.
O magistrado reconheceu que o empregador não teve culpa, pois cumpriu suas obrigações trabalhistas. Mas, por outro lado, como fechar os olhos para a triste situação do empregado, que depois de doença tão devastadora ficou totalmente desamparado? O reclamante desde agosto de 2008 não aufere qualquer rendimento, seja benefícios do INSS ou salários de seu empregador, ou seja, ele está há exatos três anos vivendo talvez a sua maior tragédia pessoal: interditado, sem saúde, sem dinheiro...quanto sofrimento! , constatou o julgador.
Na outra ponta dessa trágica realidade, o juiz constatou haver um empregador com capital social de quase R$ 200 milhões. No seu entender, o réu deveria ser chamado à responsabilidade como empregador. O reclamado não pode simplesmente deixar no 'limbo' o contrato celebrado pelas partes, mantendo em seu quadro de empregados um trabalhador sem saúde, serviços, salários ou benefícios previdenciários , frisou na sentença.
Nos termos do artigo 2º, caput, da CLT, o contrato de trabalho transfere ao patrão os riscos a ele inerentes. Por essa, razão o consórcio deveria auxiliar o trabalhador. Mesmo não tendo culpa no ocorrido. Ainda que sem qualquer obrigação legal. O magistrado recorreu à Constituição Federal, Declaração Universal dos Direitos Humanos e até à Igreja. Tudo para demonstrar que o soldador tinha direito a uma existência digna e seu empregador deveria contribuir para isso. A Igreja nos ensina que 'sobre toda propriedade particular pesa uma hipoteca social', o que se harmoniza com o princípio da função social da propriedade e ampara, em certa medida, o pleito autoral , lembrou o juiz.
Por tudo isso, foram concedidos ao empregado os salários mensais do início de sua incapacidade para o trabalho até o trânsito em julgado da decisão. O juiz determinou que o consórcio recolhesse as contribuições previdenciárias, até que o trabalhador preenchesse o tempo de carência fixado na Lei 8.213/91. Em seguida, deveria ser encaminhado ao INSS. No entanto, a 6ª Turma do TRT-MG, entendendo de forma diversa, deu provimento ao recurso apresentado pelo empregador e reformou a decisão de 1º Grau, para julgar improcedente a ação.