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JT mantém multas aplicadas a fazendeiro que explorou mão de obra infantil e descumpriu normas de saúde e segurança dos trabalhadores

publicado: 26/09/2014 às 03h02 | modificado: 26/09/2014 às 06h02
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Um proprietário rural procurou a Justiça do Trabalho pedindo a anulação de 19 autos de infração decorrentes de fiscalização do trabalho em sua fazenda e a restituição de valores recolhidos a título de multas, no total de R$12.843,90. Ao analisar o caso, a juíza Simey Rodrigues, da Vara do Trabalho de Unaí/MG, não deu razão ao fazendeiro. Ela concluiu que as autuações foram legais e devidamente justificadas pelo auditor fiscal que, na inspeção realizada na fazenda, encontrou vários empregados trabalhando sem registro, incluindo uma criança com sete anos de idade, além de várias outras irregularidades relacionadas à segurança e saúde do trabalhador.

A magistrada observou que, na época da inspeção na fazenda, situada na zona rural de Bonfinópolis de Minas, foram encontrados empregados trabalhando na produção de carvão, com utilização de madeira nativa retirada da limpeza do terreno que, posteriormente, iria servir como pastagens. As autuações decorreram da ausência de registro desses empregados, entre eles, auxiliares de carvoaria e operador de trator agrícola. Também, foi encontrada uma criança de 07 anos de idade trabalhando no local, como barrelador. Apurou-se, ainda, a ausência de água potável para consumo humano, de alojamento e moradia familiar, de cozinha para preparo da alimentação dos trabalhadores, de local adequado para armazenamento de alimentos, de concessão de descanso semanal e de EPI, entre outras irregularidades.

Conforme ressaltou a julgadora, o proprietário não negou a contratação desses empregados e nem as péssimas condições de trabalho encontradas na fazenda, limitando-se a negar a sua condição de empregador. Ele disse que celebrou contrato particular de compra e venda de aproveitamento de cerrado com um casal, que ficou responsável pelo desmatamento do terreno, transformação da lenha em carvão e da venda e transporte da mercadoria. Assim, segundo alegou a ré, foi esse casal quem contratou os trabalhadores, não tendo ela qualquer responsabilidade para com os empregados. Afirmou ainda que, por explorar apenas agricultura e pecuária, o acordo para a extração de madeira e produção de carvão caracteriza terceirização de atividade-meio, sendo, portanto, nulos todos os autos de infração e as multas que lhe foram aplicadas.

Mas, na visão da juíza sentenciante, a situação retratada configura terceirização de atividade fim, com fraude à legislação trabalhista. Para ela, o contrato de compra e venda foi realizado apenas para que o fazendeiro se desvinculasse de toda e qualquer obrigação ambiental e trabalhista pelas atividades em sua propriedade rural.

A magistrada observou que o contrato formalizado nada mais é do que um arrendamento rural, definido no art. 3º do Decreto 59.566/66. Mas, como confessado pelo proprietário, ele não recebeu qualquer retribuição, nem pelo desmatamento, nem pela destinação da lenha, o que já denuncia a fraude. Além disso, a julgadora explicou que a área da fazenda só poderia ser transformada em pastagens, como pretendido pelo fazendeiro, depois da preparação da terra, com o prévio desmatamento e a destinação da lenha, no caso, para a produção do carvão. Assim, no seu entender, não há dúvidas sobre o proveito econômico direto do fazendeiro com os serviços executados pelos empregados arregimentados por terceiros. "Os serviços preparatórios, portanto, são essenciais e circunscrevem-se, sim, em típicas atividades extrativas (e de transformação da lenha em carvão) sem as quais se inviabiliza a produção agrícola, finalidade econômica confessadamente perseguida" , ressaltou.

Nesse contexto, a julgadora concluiu que a terceirização dessa fase preparatória da implantação de pastagem ou agricultura na fazenda é ilícita, por ser essencial para a atividade econômica da propriedade rural. Assim, a relação de emprego se forma diretamente com o tomador dos serviços, o proprietário rural, nos termos da Súmula 331 do TST.

Ela destacou que, no caso, o fazendeiro sequer se preocupou em contratar arrendatário com capacidade econômica para a atividade. Como demonstrou a prova oral, ele contratou pessoa física apenas com experiência na atividade de carvoaria, proprietário de um simples caminhão e que sempre trabalhou de maneira informal em conjunto com um parceiro. Este fato, como entendeu a magistrada, reforça o entendimento de que o vínculo de emprego se estabeleceu diretamente com o proprietário rural. Segunda ela, existe, na hipótese, a chamada subordinação-integrativa objetiva ao verdadeiro e oculto empregador, não sendo necessária a presença física do fazendeiro no dia a dia de trabalho, tal como foi relatado pelas testemunhas.

"A legislação ambiental tem rígidas regras não apenas para a extração de vegetação nativa como também para a destinação do material lenhoso. A contratação de terceiro pelo fazendeiro para a execução dessas atividades em sua propriedade rural, eximindo-se cautelosamente de qualquer responsabilidade, resolve de maneira bastante simplória mas não necessariamente lícita eventuais danos ao meio ambiente e a terceiros sem o dispêndio de um único centavo" , ressaltou a magistrada.

A julgadora explicou que, de acordo com a legislação trabalhista, a transferência a terceiro de atividade indispensável ao empreendimento rural somente pode ocorrer em situações bastante restritas, sempre observando os princípios da justiça social, entre eles, a busca do pleno emprego e a função social da propriedade, conforme artigo 170 da Constituição da República. E, de acordo com o art. 186 da Carta Magna, a função social da propriedade rural é cumprida quando, de forma simultânea, ocorre a utilização adequada dos recursos naturais, a preservação do meio ambiente, o respeito às normas trabalhistas e, ainda, desde que a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. "Aqui, a função social da propriedade rural foi flagrantemente desvirtuada com a adoção pelo fazendeiro de verdadeira fraude para livrar-se de suas obrigações trabalhistas, submetendo seus empregados a condições degradantes de trabalho (permitiu-se até a prestação de serviços por criança de apenas sete anos!)" , acrescentou a julgadora.

Por todas essas razões, a juíza concluiu que houve fraude na terceirização dos serviços de extração de vegetação nativa e transformação em carvão. E, dessa forma, entendeu que os trabalhadores eram, de fato, empregados do proprietário da fazenda, como corretamente considerado pelo auditor fiscal do trabalho. Assim, rejeitou os pedidos de anulação dos autos de infração e de restituição do valor referente às multas pagas pelo proprietário rural. Foi interposto recurso, ainda não apreciado pelo TRT de Minas.

Processo

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