Juíza condena financeira a pagar R$5 milhões por danos morais coletivos
No julgamento de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho, a juíza Luciana Alves Viotti, titular da 39ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, condenou uma grande financeira a responder pelo vínculo direto com os trabalhadores intermediados por uma empresa do mesmo grupo econômico, garantindo a eles os mesmos direitos dos bancários. Isto porque constatou uma fraude, pela qual os empregados da empresa ¿promotora de vendas¿ eram aproveitados para prestar serviços bancários na financeira, sem que fossem reconhecidos como tal. Diante disso, as rés foram condenadas a não mais exigir jornada acima da normal dos bancários, que é de 6h diárias. Também foi determinado que concedam o intervalo de 15 minutos e permitam que os empregados registrem corretamente a jornada, o que não ocorria. Tudo sob pena de multas. A condenação ainda envolveu uma indenização por danos morais coletivos, fixada em R$5 milhões de reais, e multa por litigância de má-fé, bem como indenização de 20% sobre o valor da causa por prejuízos sofridos pela parte contrária.
Na instrução do caso, a juíza apurou que junto à financeira também funcionava outra empresa, "promotora de vendas" do mesmo grupo econômico. Os empregados desta não prestavam serviços de correspondência bancária, conforme o contrato firmado entre as rés. A financeira acompanhava e fiscalizava os serviços, interferindo diretamente na atividade da empresa. Na avaliação da juíza, um caso claro de terceirização ilícita de atividade-fim. Ela apontou que, além de captar clientes para a financeira, os empregados da promotora vendiam créditos pessoais. Em determinado momento, inclusive, a promotora encerrou as atividades e parte dos empregados foram transferidos para a financeira. Uma testemunha confirmou que as atividades que antes eram exercidas pela promotora agora são exercidas pela financeira. "Clara, portanto, a existência de um único empregador, com interesses comuns e sob a mesma direção" , concluiu a magistrada.
Esse cenário foi extraído de um vasto acervo de provas, inclusive depoimentos. Mas um deles chamou mais a atenção da julgadora. Chamado para prestar depoimento pela própria empresa, o ex-empregado foi ouvido em outra cidade (por meio de Carta Precatória). O depoimento dele havia sido considerado "essencial" pela empresa, mas na hora de ouvi-lo ela simplesmente desistiu e tentou evitar que a testemunha fosse ouvida a pedido do Ministério Público do Trabalho. Em vão. O trabalhador acabou prestando depoimento e a história que contou foi surpreendente. Ele relatou que empresa prepara empregados para audiências trabalhistas por meio de ¿simulados¿. Segundo afirmou, há um intenso assédio para que deponham em favor dos interesses da ré. Ele próprio já fez isso, mas se cansou de mentir na Justiça. Por isso, na reunião realizada um dia antes da audiência, passou a falar a verdade no "simulado". E foi questionado. Por essa razão, a empresa não queria mais ouvi-lo. "O depoente não só assumiu o risco de ser dispensado (o que acabou por acontecer), mas também de ser criminalmente punido, o que ninguém faz se não estiver verdadeiramente arrependido de atos anteriormente praticados" , registrou a magistrada na decisão para demonstrar o grande valor das declarações. A juíza verificou que depois do depoimento o grupo econômico decidiu por encerrar as atividades da promotora, dispensando alguns empregados e transferindo a maior parte para a financeira. A fraude para tentar afastar a aplicação preceitos trabalhistas ficou evidente para a magistrada, que reconheceu o enorme o prejuízo sofrido pelos empregados, tanto individualmente como para a categoria profissional. Até mesmo a sociedade saiu prejudicada, segundo destacou a julgadora.
No processo também foram encontradas irregularidades relacionadas à jornada. É que os empregados trabalhavam externa e internamente, com horário fixo a cumprir. A jornada poderia ser controlada pelo empregador, de modo que a magistrada rejeitou a possibilidade de aplicação da exceção do artigo 62, inciso I, da CLT. "O mencionado dispositivo legal exclui da incidência das normas relativas à duração do trabalho apenas os empregados que exercem atividades externas, incompatíveis com a fixação de horário de trabalho" , pontuou. Registros uniformes também foram invalidados pela julgadora, na linha do entendimento contido na Súmula 338 do TST. "As disposições legais relativas à duração do trabalho são de caráter imperativo, objetivando a salubridade do ambiente de trabalho e a saúde dos trabalhadores, havendo, além disso, prejuízo para a criação de novos postos de trabalho conforme a quantidade de horas extras prestadas, o que tem sido reiteradamente registrado pela doutrina e jurisprudência" , acrescentou ao determinar o cumprimento da jornada normal dos bancários.
A julgadora ainda reconheceu os danos morais coletivos. Para ela, pessoas foram submetidas à condição de objeto, não apenas em situação individualizada, mas também de modo coletivo. Ela destacou que a política de gestão adotada pela empresa fez com que a execução de parte da atividade-fim fosse realizada por meio de pessoa interposta, o que não se admite. Uma conduta que considerou violação ao princípio constitucional de proteção à dignidade da pessoa, atingindo o interesse público. Da mesma forma, houve desrespeito à legislação que rege a jornada de trabalho, concluindo a juíza pela existência de prejuízo coletivo. "A regra social ajustada, inserta na Constituição e nas leis, é desrespeitada em nome do lucro" , destacou. A magistrada lembrou ainda que o Estado Brasileiro é fundado na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Valores que, desrespeitados, impõem uma punição para se evitar o caos social, político e jurídico. "É dizer: se cada um puder agir como quiser, para quê a lei?" ,ponderou.
Por fim, a juíza decidiu que conduta das reclamadas impunha uma condenação por litigância de má-fé. O fato de negarem a existência de um grupo econômico, depois o admitirem. A insistência em ouvir uma testemunha que consideravam essencial e depois desistirem da oitiva. As claras contradições entre o depoimento da preposta e da testemunha indicada pela própria ré. Tudo isso levou a julgadora a condenar as empresas: "As reclamadas não expuseram os fatos conforme a verdade, não havendo agido com boa-fé e lealdade, apresentando defesas cientes de que eram destituídas de fundamento" , sintetizou ao final, aplicando ao caso os artigos 14 e 17 do CPC, que tratam da matéria. No seu modo de entender, a multa e indenização são devidas à União, por ser autor da ação o Ministério Público do Trabalho, havendo prejuízo para os cofres públicos. É que o órgão destinou precioso tempo e recursos materiais e humanos à causa, quando poderia trabalhar em prol de outras tarefas que demandam sua atuação. Da decisão cabe recurso para o TRT da 3ª Região.