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Trabalhador que ficou paraplégico em acidente será indenizado

publicado: 28/11/2014 às 03h04 | modificado: 28/11/2014 às 05h04
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Um motorista de caminhão pipa sofreu uma queda de altura elevada ao realizar a limpeza de uma máquina de cortar eucaliptos nas dependências da Arcelormital Bioenergia Ltda., empresa de comercialização de carvão vegetal, madeira, mudas e sementes, a partir de florestas renováveis de eucalipto em Minas Gerais. Ele não estava utilizando o cinto de segurança ou, mesmo, tela de proteção. Ao cair sobre um galho de árvore teve a sua coluna vertebral perfurada, tendo ficado agonizando por horas a fio sem socorro adequado. A partir daí, percorreu um árduo caminho: passou por duas intervenções cirúrgicas e ficou internado durante um ano em um hospital. Aos 38 anos, se viu paraplégico, tendo de fazer uso contínuo de medicamentos e precisando de auxílio constante para atividades de rotina.

Essa foi a situação analisada pela 1ª Turma do TRT-MG que, acompanhando o voto do desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior, manteve a condenação solidária das três empresas envolvidas no acidente ao pagamento de indenizações por danos morais, estéticos e materiais. As indenizações, somadas, ultrapassam o valor de R$3 milhões. Além da empregadora, a condenação alcançou a empresa tomadora, Arcelormital, e a proprietária da máquina.

Em detida análise sobre o tema, o relator afastou por completo a possibilidade de culpa exclusiva da vítima, levantada pelas rés, e até mesmo de culpa concorrente. Ao contrário, reconheceu a responsabilidade das empresas envolvidas por vários motivos expostos na decisão.

Responsabilidade objetiva

O relator aplicou ao caso a Lei 6.938/81 - Lei da Política do Meio Ambiente - que prevê a responsabilidade civil objetiva para os danos ao meio ambiente e também para os terceiros afetados. Para ele, o acidente ocorrido insere-se no conceito de poluição previsto no artigo 3º, tendo em vista que decorreu de ausência de saúde do meio ambiente produtivo. Nesse sentido, o julgador lembrou que o artigo 3º, inciso III, alínea "a", da Lei considera poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população.

Segundo ressaltou o magistrado, o empregador responde objetivamente pela degradação do meio ambiente de trabalho pelo princípio do poluidor-pagador. Ele destacou que os custos oriundos dos danos provocados ao entorno ambiental ou a terceiros direta ou indiretamente expostos, como os trabalhadores, devem ser internalizados. (Inteligência dos artigos 200, VIII e 225 da Constituição, do Princípio 16 da Declaração do Rio (1992) e do artigo 4º, VII da Lei 6.938/81).

Também se referiu ao artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal. O dispositivo prevê o direito do trabalhador à indenização por danos morais e materiais quando o empregador "incorrer em dolo ou culpa". Já o "caput", de acordo com o julgador, abre a possibilidade de se conferir ao trabalhador outros direitos "que visem à melhoria de sua condição social". Na visão do relator, é aí que entram os artigos 225, parágrafo 3º, e artigo 200, inciso VIII, da Constituição, além do artigo 14 da Lei 6.938/81. O primeiro assegura a todos os brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Pelo dispositivo, as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Já o artigo 200, inciso VIII, atribui ao sistema único de saúde colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Por fim, o citado artigo da Lei da Política do Meio Ambiente prevê penalidades a quem não cumprir medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental.

No voto, o relator lembrou que a nossa Constituição deixou claro que o meio ambiente laboral é espécie do gênero do meio ambiente. Por essa razão, as regras e princípios pertinentes ao meio ambiente em geral aplicam-se ao meio ambiente do trabalho. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente é um exemplo disso. Citando o Professor e Magistrado Guilherme Guimarães Feliciano, o magistrado registrou que a poluição não se atém aos elementos químicos, físicos e biológicos que afetam desfavoravelmente a biosfera, mas também abrange a poluição no ambiente de trabalho. E o agente poluidor deve arcar com os custos oriundos dos danos provocados ao entorno ambiental, inclusive trabalhadores afetados, independentemente de culpa (In Thomé, Candy Florêncio. Schwarz, Rodrigo Garcia. Direito Individual do Trabalho: Curso de Revisão e Atulização. SP: Elsevier, 2011).

De acordo com o relator, o artigo 4º da Lei 6.938/81 contém previsão legal deste princípio no seu inciso VII, ao definir que a Política Nacional do Meio Ambiente visará "à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos".

Responsabilidade subjetiva

Por outro lado, o relator também identificou a culpa da empresa no caso. É que não houve prova de que medidas preventivas que assegurassem a não ocorrência do acidente tenham sido adotadas. Com isso, foi reconhecida a violação aos artigos 157 da CLT e 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, e ao princípio do aprimoramento contínuo, previsto na Convenção 155 da OIT, ratificada pelo Brasil (Decreto 1254 de 29 de setembro de 1994) e, em especial, às disposições da NR 35 do Ministério do Trabalho, que versa sobre o trabalho em altura.

O entendimento do desembargador se baseou na prova oral, considerando que o próprio representante da empregadora reconheceu que o reclamante não fazia uso do equipamento de proteção para trabalhar em altura. Além disso, testemunhas revelaram que o procedimento adotado para a limpeza da máquina foi realizado sem treinamento e sem que um responsável acompanhasse o trabalhador.

Outra norma considerada importante pelo magistrado foi a Convenção 155 da OIT, ratificada pelo Brasil em 1992 e promulgada por meio do Decreto 1.254/94. Ele frisou que a medida configurou grande marco internacional na proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ao definir que "sempre que dois ou mais empresas desenvolvam simultaneamente atividade num mesmo lugar de trabalho terão o dever de colaborar na aplicação das medidas previstas no presente Convênio" (artigo 17). Assim, foi consagrada a responsabilidade solidária entre tomadora e prestadora de serviços pelos acidentes decorrentes de inadequação do meio ambiente laboral.

Culpa da vítima

Para o relator, a tese de que o acidente decorreu de culpa exclusiva da vítima, na modalidade da negligência, é inaceitável. Afinal, o reclamante só poderia estar cumprindo ordens quando o evento ocorreu. Mesmo que fosse um domingo. As provas apontaram que não foram ministrados cursos e treinamento aos trabalhadores envolvidos e nem colocado supervisor ou técnico de segurança para acompanhar manobras perigosas como a limpeza de máquina de cortar eucalipto.

No modo de entender do julgador, a falha foi totalmente das reclamadas que não adotaram as medidas de segurança cabíveis. A própria empregadora admitiu que não estava presente no local do acidente a "equipe de técnicos de segurança", que deveria evitar a ocorrência do acidente. Assim, a possibilidade de culpa concorrente também foi rejeitada.

Responsabilidade das rés - indenizações

Por tudo isso, foi confirmada a responsabilidade solidária das reclamadas envolvidas pelos danos sofridos pelo trabalhador em decorrência de acidente de trabalho. O desembargador aplicou ao caso o princípio da restituição integral para o arbitramento das indenizações (artigos 1º, III e 3º, I da Constituição da República e artigos 944 e 949 do Código Civil c/c art. 8º da CLT).

Conforme explicou, o dano moral prescinde de prova específica, sendo presumido. Mesmo porque é difícil medir o dano, que se relaciona ao contexto subjetivo do lesionado. Pela observação do que ordinariamente acontece (CPC, artigo 335), o relator considerou que a redução da capacidade laborativa do ser humano causa uma série de frustrações, angústias e ansiedades.

"Não resta senão ao Judiciário captar esse fenômeno em sua aparência jurídica, dando a ele consequência", registrou o relator, apontando que as reclamadas nada fizeram nos três anos de processo judicial para amenizar o sofrimento do reclamante, em clara demonstração de descaso com a Justiça. Ele ressaltou a importância de condenações relevantes como estimulo para que empresas invistam em medidas de proteção de segurança no trabalho, de forma séria e eficiente, considerando inaceitável que o pagamento de indenizações por acidentes saia mais barato do que investir em medidas de proteção ao meio ambiente de trabalho.

Levando em conta diversos critérios, o relator entendeu que a indenização por dano moral poderia ser fixada em R$ 1 milhão. Mas a maioria da Turma de julgadores entendeu que o valor fixado na sentença, de R$2,5 milhões, se mostra mais razoável à reparação do dano moral causado, bem como para inibir novas condutas semelhantes por parte das rés, de grande poderio econômico.

Pelos danos de natureza estética (atrofia da musculatura das pernas e deformação causadas pela paraplegia, com necessidade de utilização de fraldas, cadeira de rodas ou, na melhor das hipóteses, andador), o julgador manteve a indenização arbitrada em 1º Grau, no valor de R$500 mil.

No voto, foi lembrado o entendimento consubstanciado na Súmula 229 do STF: "A indenização acidentária não exclui a do Direito Comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador". Assim, foi reconhecida a obrigação das rés de arcar com as despesas médicas já efetuadas e as futuras, que não forem cobertas pelo plano de saúde, (fisioterapia, medicamentos, deslocamentos, estadia para ele e acompanhantes e sessões de psicologia). Também foi determinada a contratação de plano de saúde de cobertura ampla e irrestrita, ou pagamento da quantia equivalente a R$5 mil, além da obrigação de fornecer uma cadeira de rodas elétrica, uma cadeira de rodas para banho e uma cadeira de rodas manual (artigo 949 do Código Civil e princípio da restitutio in integrum ).

O relator repudiou o argumento de que o tratamento de saúde poderia ser feito através do Sistema Único de Saúde, sem qualquer custo. Ele não considerou razoável impor à vítima este ônus, com todas as suas notórias dificuldades, tais como tempo de espera, fila, falta de médicos e leitos para internação.

Direitos das Pessoas com Deficiência

No caso, foi reconhecida a aplicação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em 30 de março de 2007, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, ratificada com quorum de emenda constitucional. Segundo o desembargador, o artigo 2º assegura às pessoas com deficiência a adaptação razoável, que significa "as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais".

Com base nesse contexto, o julgador reconheceu a necessidade de adoção de providências a fim de adequar o meio ambiente às novas condições de adaptabilidade e acessibilidade do reclamante, bem como de contratação de enfermeiro e empregada doméstica para que a esposa do autor continue exercendo o seu direito ao trabalho. Ressaltou o julgador que tais providências aliadas à adaptação do veículo e residência do reclamante também se destinam a amenizar o dano experimentado pela vítima, estando acobertados pelo princípio constitucional da reparação integral (artigos 1º, III e 3º, I da Constituição da República e artigos 944 e 949 do Código Civil).

O magistrado reputou razoáveis os valores arbitrados pelo juiz de 1º Grau para custeio de profissional de enfermagem (R$6.000,00) e empregada doméstica (R$1.500,00), diante dos valores que são praticados atualmente no mercado, utilizando-se das máximas de experiência (artigo 335 do CPC).

Em caso de significativa melhora no estado de saúde do reclamante, destacou o desembargador que as rés deverão interpor ação revisional, pois a sentença foi gravada com a cláusula "rebus sic stantibus" no ponto atinente aos danos materiais.

Nesse contexto, a Turma de julgadores deu provimento parcial aos recursos das rés apenas para autorizar dedução de despesas já quitadas e determinar que as despesas futuras sejam as não cobertas pelo plano de saúde. O recurso do reclamante, pretendendo o aumento das indenizações, foi julgado desfavoravelmente.

O relator também manteve as obrigações determinadas na origem em antecipação de tutela, de modo que o ônus do tempo do processo não prejudique ainda mais o autor, vítima desse grave acidente.

Processo

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