Lei orgânica do município de Paraisópolis que instituiu regime celetista para os servidores é inconstitucional
A 3ª Turma do TRT-MG julgou favoravelmente o recurso do município de Paraisópolis, para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar uma ação ajuizada por uma servidora que prestou serviços ao município por quase 20 anos. É que ficou constatado que a lei orgânica municipal (Lei Complementar no. 004/1994), que instituiu o regime celetista para os servidores de Paraisópolis, foi iniciativa do Poder Legislativo, e não do chefe do Executivo local (Prefeito), como determina a Constituição. Portanto, contém vício de iniciativa, sendo inconstitucional. Dessa forma, acolhendo o voto do desembargador relator, Luís Felipe Lopes Boson, a Turma concluiu que o contrato de trabalho da reclamante é regido pela lei anterior (a de n. 27 de 1950), que instituiu o regime estatutário, declarando a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o caso e determinando a remessa do processo à Justiça Comum Estadual.
O caso concreto - A sentença de primeiro grau
Aprovada em concurso público, a reclamante foi admitida pelo Município no ano 1993, no regime celetista, aposentando-se em 2012 e sendo dispensada em 2013. Depois disso, entrou com a reclamação trabalhista pretendendo receber do município indenizações referentes ao vale transporte e às férias prêmio, afirmando que esses benefícios, apesar de previstos em Lei Orgânica Municipal, nunca lhe foram concedidos. Pediu ainda indenização por dano moral. Ao se defender, o município sustentou a inconstitucionalidade da Lei Orgânica Municipal que instituiu o regime celetista para os servidores, por vício de iniciativa.
A tese do município foi acolhida pelo juiz de primeiro grau, que entendeu ser flagrante a inconstitucionalidade da Lei Municipal (lei complementar no. 004/1994). Isso porque, conforme explicou, a iniciativa do projeto de lei referente ao regime jurídico dos servidores municipais é de exclusiva competência do Poder Executivo, não podendo ser delegada ao Poder Legislativo, pois isso representaria afronta ao princípio da separação e independência dos poderes, assim como aos artigos 61, parágrafo 1º, c, da Constituição Federal, e 66, III, b e c, da Constituição Estadual".
Mas, por já terem se passado duas décadas de contratações de centenas de empregados públicos conforme a Lei orgânica 004/1994 (que instituiu o regime jurídico dos servidores públicos municipais como sendo o celetista), incluindo a reclamante (que também prestou serviços ao município como celetista por quase 20 anos), o julgador entendeu que dever ser aplicado ao caso o princípio da segurança jurídica, que versa principalmente sobre a estabilidade dos atos jurídicos já realizados, das situações jurídicas consolidadas e dos direitos já incorporados ao patrimônio do cidadão. Assim, como forma de atenuar as consequências da decisão que reconheceu a inconstitucionalidade da lei municipal, o julgador aplicou as técnicas de modulação temporal e declarou que a inconstitucionalidade declarada produz efeitos "ex nunc", ou seja, alcança somente as situações ocorridas a partir do trânsito em julgado da sentença, não abrangendo, portanto, o contrato da reclamante, que, inclusive, já estava extinto. Por essas razões, o magistrado reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar a ação e apreciou o mérito dos pedidos da reclamante.
A Decisão da Turma
Mas o desembargador relator, ao examinar o caso, entendeu de forma diferente. Primeiramente ele ressaltou que, de fato, conforme reconhecido na sentença, a Lei Complementar 4, de 12 de dezembro de 1994, que instituiu o regime celetista para os servidores do Município de Paraisópolis, é inconstitucional, em razão de vício de iniciativa. "A mencionada lei foi proposta por iniciativa do Poder Legislativo, em contrariedade ao disposto nos artigos 61, §1º, II, "a" e "c" da CR/88 e 66, III, "b" e "c" da Constituição do Estado de Minas Gerais, que determinam que cabe ao chefe do Poder Executivo a iniciativa das leis que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos, regime jurídico dos servidores, provimento de cargos e aposentadoria", destacou o desembargador. Ele citou, nesse mesmo sentido, vários julgados do Supremo Tribunal Federal.
Mas, quanto à modulação dos efeitos da decisão de declaração de inconstitucionalidade, o relator divergiu do entendimento do juiz sentenciante. Ele explicou que, nos termos do art. 27 da Lei 9868/99: "Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.". E, de fato, o Supremo Tribunal Federal tem modulado efeitos de decisões de inconstitucionalidade também no controle difuso, ressaltou o desembargador. Contudo, ele ponderou que, "modular o efeito das próprias decisões é algo de competência exclusiva da Corte Constitucional".
Por essas razões, foi mantida a inconstitucionalidade da Lei 004/1994 que instituiu o regime celetista para os servidores do Município de Paraisópolis e, diante do entendimento de não caber ao Judiciário Trabalhista, mas apenas ao STF, estabelecer limites temporais para os efeitos da decisão, foi declarada a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho para o julgamento da reclamação, em razão da matéria, determinando-se o encaminhamento do processo ao juízo competente, conforme disposto no artigo 113, § 2º, do CPC.
- PJe: 0010443-51.2014.5.03.0150 (RO) — Data de publicação da decisão: 20/05/2015
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