Vigia que trabalhava sem lugar para sentar, sem banheiro ou abrigo adequado será indenizado por dano moral
No início, nem abrigo ou proteção havia. Depois, colocaram uma guarita de metal, que gerava risco de vida quando chovia em razão dos raios. Assim começou o depoimento de uma testemunha ouvida na reclamação trabalhista ajuizada por um vigia, que alegou ter sofrido dano moral em decorrência das condições precárias de trabalho a que teve que se submeter no emprego, segundo ele, contrárias à dignidade da pessoa humana.
E, de fato, após avaliar todas as provas, o juiz substituto Marco Aurélio Clímaco dos Santos, em sua atuação na 1ª Vara do Trabalho de Araguari, se convenceu de que isso ocorreu. Por essa razão, ele condenou a reclamada, uma empresa do ramo de construções, a reparar o trabalhador por dano moral.
Prosseguindo em seu depoimento, a testemunha explicou que normalmente os vigias não trabalhavam nos canteiros de obras, mas nos trechos. Ela relatou que a empresa chegou a fornecer capa de chuva, mas isso não dava proteção suficiente. E afirmou que havia risco de animais peçonhentos no local de trabalho. Com relação a equipamentos de proteção, disse que não foram fornecidos de forma apropriada. Banheiro? Também não havia. Os trabalhadores tinham que usar o mato para fazer suas necessidades fisiológicas. Também não havia lugar para sentar. A testemunha disse que, se não quisesse passar a jornada toda em pé, tinha de levar a própria cadeira.
Outra testemunha ouvida no caso apontou que não havia refeitórios em alguns pontos em que o reclamante trabalhava. Segundo ela, a guarita era de metal, no início, e depois a empresa forneceu uma de fibra. Era nelas que os vigias tinham de se abrigar quando chovia, inclusive para se proteger de raios. A testemunha também se referiu ao risco de picada por animais peçonhentos nos trechos e ao fornecimento incompleto dos equipamentos de proteção.
Diante desses relatos, o julgador concluiu ser evidente o dano moral sofrido pelo reclamante. Dano este que explicou ser presumido, diante da submissão do empregado a condições humanamente degradantes. A não disponibilização de local próprio para realização das necessidades fisiológicas e a desconsideração do dever de proteger a integridade física do trabalhador, parte mais fraca da relação de emprego, foram consideradas inaceitáveis pelo magistrado.
"Tem-se por presente a violação da dignidade da pessoa humana trabalhadora e do valor social do trabalho, quando da submissão dos empregados a instalações inadequadas e insuficientes para higiene pessoal e segurança, pela reclamada", registrou na sentença, identificando a violação do chamado "dever geral de cautela". Por este, de acordo com o juiz, entende-se que a empresa deve ser mais diligente, prudente e eficaz do que o padrão médio exigido na sociedade, por ser inerente à sua condição e função.
O julgador citou lição do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira para aprofundar o conceito. Como explicou, o empregador deve observar uma regra genérica de diligência, uma postura de cuidado permanente. Ele tem a obrigação de adotar todas as precauções para não lesar o empregado. Se não fizer isto e houver um dano, ficará provada a culpa. Assim, qualquer descuido ou negligência do empregador com relação à segurança, higiene e saúde do trabalhador pode caracterizar a sua culpa nos acidentes ou doenças ocupacionais e ensejar o pagamento de indenizações à vítima. A conduta exigida do empregador vai além daquela esperada do homem médio nos atos da vida civil, uma vez que a empresa tem o dever legal de adotar todas as condutas pertinentes para eliminar a possibilidade de acidentes ou doenças ocupacionais.
"Ocorreu a violação de diversas normas e deveres constitucionais-legais e contratuais, resultando, daí, a responsabilidade empresarial pela exposição do empregado a condições inseguras de trabalho ou pelo risco à higidez física, psicofísica e social do Demandante", concluiu o magistrado, reconhecendo o abuso de direito na conduta do empregador de permitir a atuação insegura do reclamante. Ao caso, o juiz aplicou o artigo 187, do Código Civil e o artigo 8º, parágrafo único, da CLT.
O fato de não ter ocorrido infortúnio não foi considerado importante pelo juiz. Para ele, o ato ilícito reside no fato de o empregado ter sido direcionado para uma atividade em situação de perigo, com a constante submissão a um estado real e potencial de dano à sua integridade física. Por último, enfatizou que o dever de manter a segurança no ambiente sociolaboral não se confunde com o dever contratual-legal da empregadora com o dever público de segurança pública. Trata-se de destinatários e fundamentos jurídicos distintos, muito embora se complementem ou interpenetrem em certos aspectos: o primeiro, previsto nos artigos 7º, inciso XXII, e 144, e o segundo, no artigo 144, ambos da Constituição Federal.
Diante desse quadro, o juiz condenou a empresa ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$3.000,00. Ao julgar o recurso do reclamante, o TRT de Minas aumentou a condenação para R$ 23.724,12, conforme pedido na inicial. A Turma julgadora lembrou que o objetivo da reparação por danos morais é punir o infrator e compensar a vítima pelo dano sofrido, atendendo, dessa forma, à sua dupla finalidade: a justa indenização do ofendido e o caráter pedagógico em relação ao ofensor. Considerando tudo que o reclamante passou durante aproximadamente dois anos e meio de contrato e o expressivo capital social da empregadora (R$40.600.000,00), os julgadores entenderam que o valor pedido na inicial atende melhor à finalidade da indenização.