NJ Especial: Trabalho em condições semelhantes à escravidão persiste em pleno Século XXI
Mais de um século se passou desde a abolição da escravatura no Brasil, sem que essa prática tenha sido totalmente erradicada do país. É difícil acreditar que, em pleno século XXI, ainda existem pessoas que submetem seus semelhantes a condições análogas à de escravo. Se antes a escravidão se dava pelo não reconhecimento do escravo como pessoa, hoje se concretiza no controle de sua liberdade por meio de restrições econômicas ou de locomoção, jornadas exaustivas e condições degradantes de trabalho, como previsto no artigo 149 do Código Penal. Em comum nas duas formas de escravidão, há a privação da liberdade e a submissão do trabalhador a situações que ferem gravemente a dignidade humana. Só para se ter uma ideia, em Minas Gerais, dados do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que, de janeiro a maio de 2014, foram encontrados 240 trabalhadores em situação de escravidão.
Para quem comete o crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo, o Código Penal prevê reclusão de dois a oito anos, além de multa. Por sua vez, a recente Emenda Constitucional nº 81/2014 resultante da PEC do Trabalho Escravo, deu nova redação ao artigo 243 da Constituição, que determina a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, acrescentando a possibilidade de aplicação da medida no caso de exploração de trabalho escravo. A emenda ainda precisa ser regulamentada em legislação complementar, o que envolve ampla discussão quanto à definição de trabalho escravo, critérios para a expropriação e recursos legais.
O certo é que a situação é grave e deve ser combatida com o engajamento de diversos setores da sociedade. Recentemente, foi lançada no TRT-MG a Campanha Estadual de Enfrentamento ao Trabalho Escravo ou Degradante, em parceria com outras instituições. O objetivo é intensificar os esforços nesse sentido e apoiar a regulamentação da Emenda Constitucional nº 81/2014, no sentido de garantir a identificação do trabalho escravo contemporâneo, evitando retrocesso quanto ao tema.
Coordenador da campanha, o desembargador Emerson José Alves Lage define trabalho análago ao escravo como: "todo aquele trabalho com privação de liberdade, com servidão de dívida, jornada exaustiva, trabalho extenuante ou degradante" . De acordo com ele, o maior número de incidências no meio urbano ocorre na construção civil e no setor de confecções, preocupando os órgãos de fiscalização.
Mas ainda é no agronegócio que se encontra a maioria dos empregadores que exploram mão de obra em situação análoga à escrava. Geralmente os trabalhadores são recrutados por aliciadores, os chamados "gatos", em lugares distantes, com a promessa de bons salários. Na esperança de melhores condições de vida, essas pessoas deixam suas famílias, muitas vezes sem ter a mínima ideia de para onde estão indo. Ao chegarem ao destino, encontram condições precárias de vida e trabalho. Muitas vezes a relação já começa com uma dívida da compra de ferramentas para o trabalho e outros produtos cobrados pelo patrão. Isolados e com liberdade de ir e vir cerceada, esses trabalhadores se vêem capturados por uma armadilha.
Nesta série especial sobre trabalho escravo, vamos trazer diversos casos analisados pelo TRT de Minas, envolvendo essas situações, por vezes, inacreditáveis: jornadas extenuantes, alojamentos precários, falta de segurança dos trabalhadores, ausência de instalações sanitárias adequadas, alimentação imprópria ou insuficiente e até falta de água potável, sem falar na velha prática de obrigar o empregado a comprar em vendas mantidas pelo empregador fazendeireo por preços bem mais altos que os de mercado. Condições de trabalho como essas foram constatadas pelos auditores fiscais do trabalho e renderam ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho.
Em todas as situações foram deferidas indenizações por danos morais coletivos, com base nas leis trabalhistas, penal e constitucional, além de outras condenações para ajustamento de conduta. O objetivo final do Judiciário é sempre o de coibir essas condutas abusivas, até que se consiga, por fim, abolir de vez essa prática desumana e inconcebível de exploração do homem pelo homem.
A partir de hoje você confere aqui no NJ Especial Trabalho Escravo Contemporâneo algumas dessas histórias, por vezes estarrecedoras, e as soluções dadas pelos magistrados e Turmas julgadoras. A cada semana, um novo caso e novas decisões. Siga, curta, compartilhe e envie-nos o seu comentário!
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